terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

04 - COMEÇO DA JORNADA


“Amanheceu e disse aos conselheiros que iria dar uma volta, rever alguns amigos e buscar meu alaúde. Não houveram impedimentos, mas fui seguido por alguns soldados do rei, ele não queria que me acontecesse nada enquanto estivesse sob seus cuidados. Cheguei à taverna e Calluna me recebeu com uma caneca de vinho para um brinde, estava curioso, queria saber o que acontecera, eu estava bem vestido, com uma bela espada, parecia até um nobre. Comecei a falar tudo até o momento em que descobri a Guerreira, ainda não sabia seu nome. Meu alaúde estava guardado e me foi entregue, pediram uma canção mas não tive tempo para isso pois alguém gritou da porta:
Agora voltou com uma espada não é? Pois bem, vamos lutar. - disse levando a mão à sua, e antes que pudesse sacá-la ficou paralisado, os soldados do rei eram competentes e o haviam visto entrar, suas espadas estavam encostadas nas costas do guerreiro, um movimento e estaria morto, ele largou a mão da espada e eu disse aos soldados:
- Deixem-no, não me fará mal, somos velhos amigos e nos divertimos assim, mas fiquem de prontidão.
“Convidei-o para uma caneca e sentamos, me perguntou se era um nobre e porque aquele dia me comportava como um plebeu e me vestia como tal. Contei-lhe parte de minha história, o que me lembrava, ficou interessado e disse querer me acompanhar nesta jornada, comecei a pensar se não seria uma boa idéia levar este guerreiro comigo, nem sabia para onde ia e não queria ir sozinho. Estávamos tão distraídos que não a vimos entrando, pegou uma caneca e se aproximou de nossa mesa no canto.
- Posso me sentar? - Perguntou, era uma Guerreira sem dúvida alguma, sua espada era maior que a minha, Vitis ficou fascinado por ela e puxou um banco, eu não dizia nada apenas esperava que ela começasse a falar, claro, me seguia a tempos, entrou em meu quarto furtivamente no meio da noite e agora era o momento de abrir a boca.
- Creio que lhe devo algumas explicações, para começar chamo-me Genciana Amarella, sei de sua curiosidade em saber o porque de vivermos escondidas dentro daquela montanha, de não existirem homens adultos na cidadela, de eu tê-lo seguido em silencio apenas me mostrando agora. Você está querendo desistir de sua jornada eu sei. Te segui por apenas algumas partes do caminho pois também quase me perdi neste mundo, este vinho parece nossa bebida, só que é mais forte e depois, nunca havia me aventurado muito longe do nosso vale. Conhecia um pouco a história dos pergaminhos, seu povo partiu pelos mesmos motivos que o meu: “as coisas do mundo”. Havia uma guerra começando e os homens partiram para combater ao lado do rei mas ele acabou e eles pareciam ser mais suscetíveis ao mundo exterior que as mulheres e não retornaram, escolhemos aquela montanha de onde poderíamos sair quando quiséssemos, mas muito poucos poderiam entrar. Seu povo, pelo que sei, era escravo de seus magos que de seu medo e partiram a muito tempo atrás, vocês não viram o mundo se desenvolver nem as guerras que aconteceram depois.
“A medida em que ela ia falando eu ia lembrando realmente quem eu era e como havia me entregado aos prazeres do mundo esquecendo do meu caminho, até aquele momento este negócio de escolhido, prometido, torneio, prêmio estavam sendo uma brincadeira para mim, não estava percebendo a seriedade da coisa toda. Vitis não dizia nada, apenas bebericava de sua caneca que já estava vazia nesta altura. O que estava ouvindo ali eram coisas que quando era criança ouvira nas fogueiras de sua terra mas nunca acreditara. Tornara-se um guerreiro e alugava sua espada a quem pagasse mais, não importava o motivo ou se quem a alugava estava certo ou não. Mas agora existia um motivo para lutar, a honra, a justiça e a lealdade.
“A proximidade de Genciana me fortalecia, me fazia acreditar que existia algo mais forte, lembrei do “Pai”, da oração que fiz na entrada da caverna e principalmente a fé que havia perdido, eu estive insano por muito tempo e agora também compreendia porque ficava incomodado na presença de Eupatoria, eu me via como realmente era: “Um homem fraco, desonesto, impotente e que precisava daquelas plantas de poder para me sentir mais forte”. Eu precisava pensar e não conseguia, resolvi que mais tarde visitaria Eupatoria para conversarmos um pouco e então Genciana recomeçou a falar:
- Quando tiver digerido tudo o que falei até agora te direi mais, agora vou partir por um tempo, voltarei quando for necessário.
“Convidei-a para ir até o castelo e a Vitis também, ela não aceitou pois não queria se acomodar e se perder outra vez, sei lá, ela parecia ser muito mais do que uma Guerreira Zeedris. Vitis aceitou e partimos. Minha visita a Eupatoria teria que ficar para amanhã, já estava escurecendo e eu não queria encontrar Agrimonia. O rei gostou de Vitis e o recebeu bem, foi acomodado no quarto ao lado do meu.
“De manhã fui para a floresta, meu novo companheiro e amigo me acompanhou, quando cheguei ao jardim ela me perguntou:
- Quer dizer então que você finalmente lembrou de sua missão e encontrou também o seu segundo ensinamento? É, Genciana é a sua Segunda lição para encontrar o tesouro que te espera, mas a jornada será longa e seu novo amigo irá ajudá-lo muito pois tem o poder que você ainda não descobriu em si mesmo.
- Espere um pouco, que história é essa de Segunda lição? Não sei do que está falando, qual é a Primeira?
- Meu filho, procure ser honesto consigo mesmo, ainda não percebeu? Abandone o controle que nunca teve, sempre se considerou forte, poderoso, dizia não precisar de ninguém, não conseguia olhar para dentro de si mesmo e ver que não é assim, que precisa das pessoas e é impotente perante muitas coisas, principalmente a si mesmo, tudo isso o levou a se entregar a prazeres que te desviaram de seus objetivos. Sua jornada será longa, vai encontrar muitos guias que te pedirão coisas que talvez te surpreendam, mas que deve cumprir.
“Agora deve entrar na floresta e conhecer alguém que te indicará a Terceira lição antes que parta, seu nome é Prunus, vá, ele o aguarda. Vitis, você fica comigo, ele deve ir sozinho.
“Comecei a caminhar dentro da mata meio que assustado pois não sabia o que iria encontrar, como seria esse tal de Prunus? e qual seria essa Terceira lição? Nem sabia direito a Primeira ou qual era a Segunda. Caminhei bastante mata adentro até que me pareceu ouvir um ruído à minha esquerda, vi apenas uma névoa azulada que se movia sem sair do lugar e ouvi uma voz falando comigo, não sabia de onde vinha, parecia vir da névoa mas não havia ninguém lá. Bom, neste lugar aconteciam coisas estranhas, depois do aparecimento do rei, tudo piorou, mais coisas e seres começaram a surgir, não ficaria surpreso se fosse a névoa que estivesse me chamando agora, e era...
- Eu sou Prunus sou a entrega a uma força maior, sou o equilíbrio e a confiança, sou aquele que não tenta manter o controle porque não o detém, este controle é de um Poder Superior, você Não chegou até aqui não por nada. Existe uma força muito grande te direcionando, essa força vai te acompanhar em todo o seu caminho. Mas existe uma coisa, a principal de todas... “Renuncia”, a renuncia de si mesmo, de que não é o poderoso, o dono da verdade, admitir que tem um grande problema, e não será fácil pois sua missão envolverá muitas coisas e pessoas. Em sua Primeira lição, com seu encontro com Eupatoria foi a admissão de sua impotência e fraquezas, isto te ajudará a ter um pouco mais de humildade, agora que suas máscaras caíram e pode se enxergar como é realmente vai perceber que precisa de ajuda para se preparar para o que está por vir futuramente, sei que está no caminho da busca do tesouro que o rei pediu, este tesouro é necessário para manter o reino em paz e em ordem, você é o escolhido, mas nem tudo acontece como desejamos. Seu encontro com Genciana foi excelente pois com ela vai lembrar de manter sua fé, que precisa acreditar nos outros, pois o nosso poder superior se manifesta através deles.
- Você terá um encontro em breve com o mensageiro de sua Quarta lição, talvez demore um pouco, talvez não, ele vai te levar ao Portal do Passado onde irá reviver muitas coisas esquecidas e abandonadas, vai depender de sua compreensão do que aprendeu até agora. Mas esse encontro será difícil porque você terá que superar muitas coisas e depois dividir isso. Mostrar que aprendeu e aceitou, pois não será fácil passar desta próxima lição.
- Suas lições já aprendidas mas não assimiladas por enquanto são:
Admitir suas fraquezas, que estava seguindo o caminho errado acreditando que era o certo, perdeu o controle de seus pensamentos, emoções, ações e comportamento procurando rotas de fuga em todas as direções sem acreditar que alguém ou algo poderia te guiar ao lado certo, acreditava apenas em si mesmo; Eupatoria é teu guia para a honestidade e a rendição;
- A Segunda lição é começar a acreditar que existe algo ou alguém que te pode ajudar ou orientar para o caminho certo, é o caminho da compreensão e do entendimento, aquele do qual você se desviou ao ter contato com os prazeres do mundo; Genciana te ajudará a acreditar, ter fé e entendimento;
- Veja bem, a Terceira lição é uma das mais difíceis, isso porque depois de renunciar ao controle e às suas vontades maiores ou menores em nome de uma vontade melhor terá que acreditar em alguém, logo depois tomar uma decisão e se entregar confiando que esse alguém pode te orientar e confortar, assim vai entregar sua própria vida e desejos a este guia. Está disposto a seguir em frente? Porque depois que se inicia neste caminho nunca mais terá paz se voltar a ser o que era, sua própria consciência irá te cobrar pois conheceu o outro lado e sentiu o seu gosto.
“Encerrou ai o seu curto discurso e desapareceu dissolvendo-se no ar. Não lhe respondi, foram tantas coisas que conversamos, tantas informações que senti um certo medo de perguntar algo. Agradeci e me afastei saindo da mata.

“Vitis me aguardava transtornado, parece que sua conversa com Eupatoria não foi melhor que a que tive agora na mata. Ele estava sozinho a minha espera mas nem me viu chegar. O chamei e voltamos à taverna, ambos precisávamos de uma caneca bem grande de vinho. Calluna nos serviu sem perguntar nada, sentia que algo estava diferente nos dois, ficou quieto e conversando com alguém num canto sem parar de nos observar, como se aguardasse ser chamado à mesa, também tinha o que contar, coisas estranhas estavam acontecendo no reino e tudo indicava que tinha a ver com o torneio do rei, comigo e minha viagem. Nosso vinho acabou e não percebemos, apenas nos olhávamos, sentíamos que nada mais seria como antes e isso nos assustava.
“Calluna não agüentou e se aproximou com mais quatro canecas de vinho, eu não sabia porque, mas não sentia vontade de beber, e ao mesmo tempo estranhei, quatro canecas se éramos três. Foi então que o chamou, ele se aproximou e sentou-se pedindo licença. Chamava-se Clematis Vitalba e vinha de muito longe para a disputa do rei, não para competir ou vencê-la, e sim orientar o escolhido, ele vivia em outro mundo, bem no alto das nuvens, e tinha o poder de descer à terra, seu povo tinha uma capacidade de visualizar o que quisesse e realizar depois. Ele fora enviado por seu rei para guiar o escolhido ajudando-o a manter-se ancorado no mundo e parar de tentar fugir dele. Olhei para o estranho e não senti vontade de dizer nada, apenas de ir embora, já havia ouvido muitas histórias por um dia e não queria ouvir mais. Se fosse tão importante ele estaria lá amanhã.
“Eu olhava para Vitis e Calluna sem dizer nada, estava anoitecendo e teria que conversar com o rei, amanhã seria o grande dia e teríamos que partir sem saber quando ou se retornaríamos, com ou sem o tesouro que salvaria o reino.
“Enquanto caminhávamos, Calluna que nos acompanhava começou a dizer como Clematis havia surgido na taverna, era incrível, Calluna não conseguia ficar sem falar sobre as coisas que lhe aconteciam ou seus problemas pessoais. Nós havíamos ficado na mata por vários dias que pareceram uma eternidade para quem nos aguardava. Disse que logo depois que partimos, um barco voador veio dos céus e ele surgiu, não aterrissou, ficou pairando no ar, ele simplesmente desceu levemente, parecia que usava o ar como colchão, dizia poder trazer os sonhos que todos tinham e ajudar a realizá-los na terra, assim que despertassem e ancorassem, estava em busca de um homem que teria vindo de longe, em busca do conhecimento da verdade, teria se perdido no caminho seduzido como muitos pelo mundo.
“Reencontrado, tinha que ser redirecionado, mas tinha que encontrá-lo. Ele era de um povo sonhador que tinha perdido a sua capacidade de sonhar e realizar, Clematis foi incumbido por seu rei de encontrá-lo e guiá-lo. Parou na frente de minha taverna e quando chegou ao chão eu estava em sua frente. Olhou para mim e disse:
- Você gosta muito de falar e sei que tem o que me dizer, então comece, onde está o escolhido? Tenho muito o que conversar com ele.
- Respondi que não sabia, que tinha ido para a floresta conversar com algumas pessoas pois a viagem começa amanhã. Ele disse que o chamasse assim que você surgisse porque o que tem que lhe falar era muito importante. E foi assim, não o vi mais até aquele momento em que vocês chegaram à taverna, parecia que ele sabia porque quando vocês entraram ele estava sentado à espera. Nem tive tempo de pensar em chamá-lo, já estava lá.
- Bom, quando ele achar necessário aparecer novamente o fará, agora vamos descansar, estes dias foram muito longos.
“Amanheceu e chegou o momento da partida, no pátio do palácio se amontoavam homens e mulheres de todos os tipos e regiões, agressivos, dóceis, feios, bonitos, estranhos, de perto, de longe...Todos em busca do prêmio do rei, sabiam que a linda princesa se casaria com o vencedor e ele herdaria o reino, mas não sabiam qual seria o tesouro a ser procurado.
“O rei começou a falar:
- Vocês em sua maioria vieram de longe para uma disputa de coragem, perseverança e fé, fé essa que irá salvar este reino. O prêmio será o próprio reino, mas, eu não posso dizer qual tesouro terão que identificar e encontrar. Grande parte de vocês pensará no final que fracassou, talvez a maioria, mas alguns trarão uma parte dele, outros talvez mudem sua maneira de ver o mundo e as pessoas. Vão, partam em busca de seu destino e retornem. Espero que o prometido traga o que é esperado, qual de vocês será eu repito, não sei, talvez me surpreenda ou não. Que o torneio tenha início e tenham a minha benção. E que o Universo os acompanhe e guie.
“E eles partiram, o monarca entrou em seus aposentos e se dirigiu a nós que o aguardávamos, não podia se dirigir a nós na frente dos outros competidores ou pensariam que nós sabiamos qual era o tesouro, isso acarretaria em mais disputas entre todos
Você Centaurium, junto com Vitis, leve minha benção, tenho certeza de que conseguirão, seus conselheiros são muito melhores que os meus, ouçam tudo o que eles lhes disserem, em seu caminho surgirão outros, fiquem atentos, e principalmente confiem um no outro pois não tem mais ninguém em quem confiar, por enquanto...
“A princesa Impatiens se aproximou de mim e contribuiu com a minha ansiedade, eu estava confuso com tanta coisa acontecendo e minha vontade era de correr, me disse para ter calma e me tornar receptivo para o que aconteceria ao meu redor.

“Partimos, para dizer a verdade sem saber em que direção seguir, me lembro das palavras de Prunus, sobre o tal Portal do Passado de que me forçaria a voltar ao que já vivi, às coisas boas e as más(que eram muitas), não sei, isso me assustava um bocado pois não sabia como reagiria a isso. Comecei a racionalizar se valeria a pena prosseguir, o medo cuidava de mim, caminhamos muito até o principio do anoitecer e acampamos. Uma grande parte dos que saíram do palácio estavam lá também. Parecia que não queriam ficar sós, se avaliavam, preparavam-se para seguir cada um seu próprio caminho pois não nos foi dada uma direção, mas nesta noite partilharíamos o mesmo acampamento, o amanhã? Não sei, comecei a viver só por hoje. Um dia de cada vez. Gostaria que Hottonia estivesse aqui. Mas era difícil pois ele sumiu a tanto tempo que comecei a pensar que tinha voltado para seu Castelo de Cristal, mas não, eu estava enganado, as folhas começaram a se mover na mata e ele surgiu de repente, parecia mais jovem e menos curvado que a última vez em que o vi.
- Centaurium, como você mudou, está diferente, parece maior, estes anos que passaram te moldaram um pouco, mas ainda falta muito. Está no caminho, vai perceber que muitas coisas que pareciam necessárias a você não tem mais importância, se perdeu por um tempo, mas foi necessário, o “Pai” não escolhe os preparados e sim prepara os escolhidos. Anos se passaram, você se esqueceu até porque saiu de sua terra, foi iludido com o que o mundo oferece. Vitis irá te ensinar o que é domínio e te dará forças para seguir em frente, você lhe ensinará a usar esse poder que ele tem pois você é um curador, vai depender de você. Agora quero comer e dormir. Amanhã conversamos mais um pouco.
“Deixei-o à vontade e fui conversar com Vitis, eu não entendia, esse povo mágico surgia de repente e desaparecia do mesmo jeito depois de deixar um monte de dúvidas e incógnitas, falava um monte de coisas estranhas e depois, antes que se entendesse alguma delas diziam que queriam comer e dormir. Vitis me confessou não gostar muito de magos, que eles eram estranhos demais.
- Olhe ao redor, em nosso acampamento que por enquanto está movimentado demais nenhum dos outros o viu. Eu creio em você porque vi o que aconteceu na floresta e confio mas, também não vi nenhum velho, apenas você o viu. Se você diz que ele está aqui, creio em ti, mas agora está tarde, vamos dormir e descansar, amanhã a maioria dos que estão aqui partirão, devemos nos separar deles pois muitos querem lutar e disputar, não perceberam que o que estamos buscando é maior que o desejo ou a ganância deles, aí conversaremos melhor sobre isso, mas antes cante algo para nós, alegre esta noite incerta com suas canções, eu ainda não o ouvi tocar e cantar.
“Peguei meu alaúde e comecei:

“Quando chegou minha hora parti sem rumo
encontrando magos no caminho que murmuravam:
“Você se perdeu de novo, quer achar o caminho certo?”
fugindo deles encontrei várias fadas que cantavam:
“Ele está cego vamos dar-lhe a luz mágica para
que possa seguir em frente”
Então passei por um caminho
onde verdejam eucaliptos e pinheiros com o vento
sussurrando entre suas folhas:
“Você está surdo, não consegue ouvir o murmúrio do vento entre nós?
com o tempo vamos conseguir te dar algo
algo para mudar e nos ouvir cantar,
então cantaram a história de alguém que se perdeu
num mundo de prazeres ocultos,
num mundo de mágica e prazer,
e disseram também; não podemos lhe dar nada a não ser
que peça e aceite o que vai receber.”

“Vitis me olhou meio que surpreso, a canção era real mas triste também. Não me disse nada, virou para o lado e começou a reclamar:
Estamos no meio de uma floresta como esta, não sabemos para onde vamos, quem destes guerreiros, se é que se pode chamá-los assim, vai nos seguir e tentar nos matar por um tesouro que nem temos idéia de que forma pode ter, e você me vem com uma canção como esta, falando sobre perder o que não se tem e sem saber o que é? Cante algo mais alegre, anime os nossos corações e espíritos.
“Recomecei então:

“Podem acreditar, seus olhos brilham ao luar,
lindos humanos venham ver, este tempo passar,
vamos se alegrar, saltar na vida até se encantar,
fazer canções para quem passar afinal,
liberdade não é só um sonho velho e esquecido.
Houve um tempo eu lembro
quando foram passear naqueles lados,
vocês diziam que este mundo nunca poderia acabar
Hoje descobri que posso ter sido meio maluquinho,
mas é meu jeito, mas é meu jeito falar assim;
Tentem acreditar, o mundo pode ser aquilo que quiserem”


- Agora sim, ao menos fala de coisas que podemos realizar desde que acreditemos que seja possível. Sabe Centaurium, aqueles papos com as pessoas que conversamos até agora me confundiram. Eupatoria, Clematis, até Calluna, o que diz que viveu, Hottonia, Prunus, sua terra distante e isolada. Tudo isso mexeu comigo e muito, vim para cá para disputar um torneio, era um mercenário. Agora tudo em que acreditava foi por água abaixo, encontrei um amigo, você, apesar de meio confuso e complicado é verdadeiro, e não quero perder isso, vou estar sempre ao seu lado, enquanto aceitar minha companhia. Sempre quis impor minha vontade através da força, controlava tudo e todos, mas alguma coisa está acontecendo e me sinto diferente em relação a isso, sinto uma força interior que nunca senti antes, não física, mas espiritual. Claro, não mudei completamente, sinto que existe muito chão a percorrer ainda, mas estou no caminho certo, isto é claro para mim, fico um pouco ansioso em encontrar os próximos guias. Sou curioso por natureza e fico imaginando o que o futuro nos reserva, estamos no início de nossa jornada e creio que devemos começar a nos precaver em relação a algumas coisas, não sabemos o que vamos encontrar na nossa frente, nem do que estes estranhos à nossa volta são capazes, a cada dia novas surpresas nos surpreenderão. E não será diferente agora, pelo contrário, creio que a cada dia novas situações vão surgir. Precisamos nos fortalecer e precaver, vamos fazer um pacto?
“Observei melhor Vitis, ele estava falando sério mesmo, nunca o vi assim, nos conhecíamos a tão pouco tempo e parecia uma vida, perguntei qual seria o pacto e ele respondeu:
- Não vamos mais tomar vinho ou consumir plantas de poder, precisamos agora mais do que nunca manter a mente desperta e alerta, como disse antes, não sabemos o que vamos encontrar pela frente e devemos estar sempre prontos. O que acha?
“É, realmente ele estava diferente, mais quieto, observador e agora isso, era apaixonado por vinho. Mas ele estava certo, seria difícil, porém necessário. Estava mais consciente que eu e aceitei o pacto, um ajudaria o outro.
“Quase não consegui dormir, o dia amanheceu e a maior parte dos que estavam no acampamento já havia partido, cada grupo em uma direção, norte, sul, leste, oeste, como ninguém sabia qual era o tesouro nem onde se encontrava não existia uma direção certa a seguir, alguns foram sozinhos, outros em grupo. Nós resolvemos esperar que todos tivessem partido para decidir que rumo tomar, mais um dia não faria diferença, algum sinal surgiria. Hottonia havia desaparecido, odiava quando fazia isso.
“Alguns dias se passaram Minha cabeça divagava em sonhos e ilusões que já havia tido, não conseguia me decidir a partir. Todos haviam ido, menos nós, Vitis parecia se contagiar com minha acomodação e eu parecia estar no mundo da Lua, como se tivesse criado um mundo melhor para viver onde não existissem disputas, brigas, tesouros e não quisesse mais descer de lá, do meu mundo perfeito. Cada um de nós reagiu de uma forma diferente, Vitis começou a caçar, como o fazia bem, mas caçava mais do que podíamos comer, parecia que queria mostrar seu poder para a mata. Eu sabia como isso podia ser perigoso, certos seres da floresta não se incomodavam quando se caçava o suficiente para se alimentar pois também faziam isso, mas não gostavam de abusos com os animais, e nós estávamos abusando, nos acomodamos e não saímos do lugar, depredando o que estava ao nosso redor. Eu não me sentia bem como estava, precisava refletir um pouco. Encontrei uma trilha e fui caminhar um pouco por ela sozinho, Vitis disse que depois iria me encontrar, era só seguir os rastros, ele era um bom rastreador e caçador.
“A trilha tinha um brilho diferente que me atraia, em alguns pontos era muito estreita e as plantas arranhavam meus braços e pernas de uma maneira que pareciam querer me castigar pela invasão de seus domínios. Terminava em uma clareira espaçosa na qual entrei, sentia um peso estranho, negativo nas costas, mas a curiosidade e o chamado eram mais fortes, não sentia mais medo e sim ansiedade. Comecei a prestar atenção, no lugar onde estava existiam algumas árvores, cinco ao todo pareciam formar um pentagrama, era o que parecia para mim até que peguei um pedaço de pau e comecei a traçar uma linha ligando uma árvore a outra e então tive a certeza, realmente era um pentagrama. Algumas das árvores estavam tombadas pela idade, observando melhor notei que existiam cortes com velas de cores variadas derretidas, e no centro da clareira uma rocha comprida e lisa, aquele lugar estava preparado como um centro de rituais de sacrifícios.
“Tudo isso estava meio que oculto pela vegetação e pelo musgo. Senti uma vontade grande de ir-me embora dali, o peso nos ombros aumentando, assim procurei a trilha pela qual tinha vindo, surpresa, não estava mais ali, o medo voltou. Ouvi um barulho a minha direita e uma voz desconhecida falava comigo:
- Está cansado? Sei como se sente, fraco, sem forças para continuar, mas não desista, deve estar seguro de suas forças e capacidades e seguir em frente, lá em cima encontrará pessoas que te ajudarão com a resignação que está sentindo.
- Mas quem é você? Como se chama? - perguntei eu.
- Meu nome é Carpinus Betulus, apenas quero te ajudar, dê uma oportunidade a você mesmo seguindo em frente. Adeus. - e simplesmente desapareceu. Em seguida ouvi outra voz, esta era familiar era Vitis resmungando dos arranhões pelo corpo.
“Conversamos um pouco e reparamos que a trilha que ele havia seguido também sumira, era como se houvesse se fechado de espinhos como a minha. Ele sacou da espada para abrir caminho e neste momento uma luz do lado oposto brilhou nos chamando a atenção, ela mostrava uma outra trilha levando ao alto da montanha. Nos olhamos e concordamos.
- Vamos subir - disse Vitis - Esta floresta me assusta, este lugar mais ainda, me dá calafrios, existem forças aqui que não compreendemos nem sabemos de que lado estão.
“Subindo por ela percebemos que existiam os mesmos espinhos, mas nos feriam com menos intensidade e outra coisa, parecia que nós dois saíamos da apatia e prosseguíamos com mais ânimo até chegar ao topo. Lá estando eu não conseguia falar e nem Vitis tamanha a beleza e imensidão do vale que se descortinava a nossa frente, nos sentamos e apenas observamos deslumbrados.
*inserir descrição a seguir na página ao lado
“No céu eu via uma ave com asas prateadas que voava pelo vale. Era um gavião como nunca vi, suas asas brilhavam ao sol causando reflexos fantásticos. Mostrei a Vitis mas ele não a via, olhava para o outro lado onde dizia ver um outro gavião, mas eu também não o via. Era como se cada um tivesse o seu, de repente começaram a voar lado a lado em nossa direção a extrema velocidade passando sobre nós e entrando na mata, pensei que iam se espatifar nas árvores. Desapareceram em seguida e notamos duas, ou uma, não sei direito, mulheres caminhando na estrada (a trilha que subimos dava na estrada em que estávamos e fazia uma curva até aquele local). Elas pararam em nossa frente e se apresentaram:
- Nós somos Rosa Canina, somos irmãs e nunca nos separamos, eu Rosa, tenho o aroma e o brilho e Canina o despertar do espinho, juntas nos protegemos e cuidamos dos que querem desistir, se acomodar, se sentem resignados com uma situação e não tentam mudá-la achando que a responsabilidade é de outro, assim como vocês estão agora. Como estão os arranhões em seus corpos, serviram para despertá-los?
“Mulheres estranhas aquelas, seus cabelos eram como pequenas folhas verdes e pequeninas ao mesmo tempo em que eram duas também eram uma só, uma roseira humana é isso. Seu perfume era delicioso. Estava curioso sobre os espinhos despertarem, o que estavam querendo dizer? Elas voltaram a falar:
- Nós os aguardávamos a muito tempo, não sabíamos quais seriam no meio de tanta gente, então, quando se acomodaram e quiseram desistir, esquecendo realmente qual era o seu objetivo e missão, se encostando aqui tivemos que agir, pois pudemos identificá-los. Fizemos nossas folhas e flores brilharem em uma trilha para trazê-los até nós. Sabemos que “passaram” por algumas lições mas não as aceitaram completamente, vão ficar aqui esperando alguma coisa acontecer? Acreditarem no poder superior a todos nós e tomarem uma decisão de se entregar não é o bastante, “Ele” fará a sua parte, mas vocês tem que fazer a sua. Deixar a responsabilidade na mão do seu Poder Superior não os livrará, repetimos, o caminho a ser percorrido será longo, em alguns momentos terão que voltar atrás e refazer alguns erros para depois seguir adiante, em outro se separarão e a menos que resolvam entregar suas vidas e suas vontades realmente não conseguirão.
“O mundo depende de vocês, a transformação das crenças das pessoas, o reinado, tudo. Demoram eras para surgir um prometido e você Centaurium é o esperado desta, lembre-se de sua canção: “Olhe para trás e veja as dificuldades em seu caminho, para poder saudar o sol, então sorria ele gostou de te ver por aqui, e vai te iluminar o caminho para chegar ao seu destino.” Vamos, agora levantem a cabeça e partam pois a estrada os aguarda e não estão sozinhos, existem outros seres que os aguarda. Ah, mais uma coisa, você Centaurium, componha agora uma nova canção, que fale sobre o amor à vida que redescobriram com esta lição, fale da perseverança e fale das rosas que surgiram em seu jardim perdido em meio à mata.
“E assim se foram as duas(ou uma). Novamente nos olhamos, não nos deram a oportunidade de falar ou perguntar nada. Esta viagem daria muitas canções novas, a cada momento surgia uma nova surpresa, uma nova situação. Peguei meu alaúde que sempre levava nas costas e procurei os primeiros acordes, foi incrível, como sempre as palavras fluíam de meu interior, percebi que a mata sorria para mim e um caminho cheio de luz se abria para nós até o acampamento.

“Eu te amo, você é a rosa do meu castelo,
tenho medo quando chega o inverno
e a beleza que você traz começa a desaparecer
como os pássaros que voam a procura da paz
e da liberdade encontradas nas primaveras,
onde tudo é beleza como o amanhecer
que me mostra que cada dia deve ser vencido
quero viver, quero viver, quero viver, quero viver;
para ver as coisas acontecerem
as tristezas vão passar as alegrias vão chegar,
quero viver para te enfrentar sem pacto nenhum,
eu contra você, você contra eu
vou lutar até a velhice chegar, como um velhinho que na rua
um dia na rua vi passar com um sorriso nos lábios
e que dizia que a gente deve procurar não se perder na noite dos tempos

“Vitis gostou desta canção pois era desafiadora, levantamos acampamento e partimos. Prunus disse que um mensageiro ajudaria a me libertar dos grilhões do meu passado, deveria ser honestos pois caso contrário estaria enganando apenas a mim mesmo, corajoso porque rever certas situações do passado poderia trazer muita dor, foram erros e acertos também mas muitos não gostam de falar de erros ou falhas, avaliar abertamente as atitudes para com o “Pai”, com a família, amigos ou quaisquer outros relacionamentos. Conversamos sobre tudo isso boa parte do caminho, quando chegamos a uma clareira e montamos acampamento, enquanto Vitis caçava tentei preparar uma boa fogueira, não era muito bom nisso, tive a sensação estranha de estar sendo observado mas me mantive calmo, sabia que não existia perigo ali, que a floresta era nossa amiga e os seres que ali viviam nos orientavam.
“Comecei a pensar no tesouro, o que seria? Jóias, pedras preciosas, ouro, novas terras, tecidos, escravos, o que seria? O que teria o poder de manter um povo livre? O rei disse para não me preocupar pois saberia na hora certa. Vitis chegou interrompendo meus pensamentos, trazia dois coelhos e uma ave, seria um belo jantar, quando olhou minha tentativa de fogueira riu até chorar. Perguntou se me sentia observado e respondi que sim.
“Limpamos a caça e a colocamos no espeto. De repente ela surgiu bela como sempre, do nada, era realmente uma caçadora, sabia andar pela mata em silêncio e encontrar o que queria. Trazia nas mãos um pequeno javali e uma garrafa.
- Posso me juntar a vocês? Perguntou Genciana. - Aqui está minha contribuição, um pequeno javali gordo e um bom vinho para nos aquecer durante a noite.
“Eu e Vitis nos olhamos, lembrei de nosso pacto, mas, que mal um gole de vinho poderia nos causar? Já fazia tempo que não nos embriagávamos, sorrimos e a convidamos para sentar. Tínhamos centenas de perguntas para fazer e não sabíamos por onde começar. Queríamos principalmente saber sobre o que estava por vir. Em nossa ansiedade nos esquecemos de que talvez ela estivesse com fome, cansada e sem muita disposição para falar muito. Em parte estávamos certos, realmente estava cansada, limpamos a caça que trouxe e começamos a cantar e beber enquanto assava. Genciana parecia diferente, estava muito alegre, animada, eu a havia visto pouco e mesmo assim muito séria, nunca a vi como hoje. A lua foi subindo, o sono chegando e nós nós nos aninhando. Cada um escolheu um espaço ao redor do fogo onde se sentisse melhor e assim dormimos.
“Acordei com a visão dela na beira do fogo já reaceso, preparando um café e esquentando um pouco da carne que sobrou da noite passada, teríamos uma longa caminhada pela frente, os outros haviam se adiantado e nós estacionamos. Vitis já estava de pé, tinha ido até a cachoeira tomar um banho para despertar. O sentimento de culpa por ter quebrado o pacto me incomodava e sei que a Vitis também.
“Durante o café comecei com meu interrogatório particular e curioso. Ela me ouvia com atenção. Quando terminei minhas perguntas o silêncio pairava no ar, eu e Vitis esperando que ela se manifestasse e então começou a falar:
- Centaurium, todas as suas perguntas serão respondidas no devido tempo , o que posso lhe dizer agora são poucas coisas; veja bem, o tesouro será encontrado no momento certo, não adianta ficar se martirizando tentando adivinhar o que é ou onde está, do mesmo modo que renovo sua fé, sendo sua Segunda lição também te dou o entendimento das situações pelas quais está passando e vai passar ainda. Lonicera os aguarda ao anoitecer, o receberá bem mas Vitis terá que se separar de você pois tem outro caminho que o aguarda, não se preocupe, voltará a encontrá-lo mais adiante, e ambos estarão mais fortes, os dois. Lá você conhecerá Salix que te ajudará a entender o ensinamentos de Lonicera sem se justificar acusando os outros por infortúnios que você passou, a responsabilidade é sua de tudo por que viveu até hoje; depois que preparar o relatório de seu passado junto com ele será encaminhado para Ceratostigma.
- Ele é muito difícil de ser encontrado pois está sempre em movimento cuidando da mata. Vai te ajudar a entrar em contato com sua sabedoria interior, a ouvir a voz que vem de dentro, a acreditar em sua intuição sem ficar perguntando o que os outros pensam, coisa que sempre te colocou em confusão no passado, com ele vai dividir tudo o que relacionar para Lonicera, mas prepare-se pois será cobrado, não julgado, por muito do que fez ou deixou de fazer, mas terá um tempo para assimilar tudo isso e muito mais, alguém que não posso revelar o nome agora irá se apresentar a você e ajudá-lo a se voltar para dentro com uma auto-avaliação, mas falta tempo ainda. Só vou adiantar outra coisa: São doze as lições pelas quais tem que passar, assim será lapidado e descobrirá se é ou não digno do tesouro que busca, mas creio que terá uma surpresa quando chegar a hora. Está se encaminhando para a Quarta, Quinta, Sexta e Sétima lições agora. Chega de falar, vamos comer e começar a caminhar.

Genciana Amarella - Gentian - genciana
Prunus Cerasifera - Cherry Plum - cerejeira
Clematis Vitalba - Clematis - clematide
Carpinus Betulus - Hornbean - bétula, carpa, carpino
Rosa Canina - Wild Rose - roseira, rosa dos cães, roseira brava

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

03 - A PERDIÇÃO EM UM MUNDO ESTRANHO


“O dia transcorreu normalmente, preparamos a bagagem que iríamos precisar e passamos o resto do dia cantado, conversando e comendo. A noite chegou e a fogueira foi acesa, mais músicas e comida (como eles comiam), gostei muito daquela bebida que me trouxeram, esquentava e alegrava o coração, disseram ser feita de frutas fermentadas e destiladas. Aproveitei e peguei a receita pois ensinaria meu povo quando retornasse à aldeia. Não sabia quando isso iria acontecer mas guardei em minha bolsa. O dia amanheceu e tudo estava pronto para nossa partida, meu alaúde ganhou uma capa de couro para protegê-lo, levávamos carne seca, néctar, e pães para a viagem. Não houveram despedidas pois saímos bem cedo, apenas algumas mulheres estavam despertas e nos observavam em silêncio enquanto caminhávamos para a entrada da gruta e saída do vale, andamos muito e paramos para comer, Hottonia me observava em silêncio e me avaliava, disse que ao cair da noite conversaríamos a respeito de tudo o que me afligia, a minha estrada estaria determinada a muito tempo e chegara agora o meu momento. Caminhamos muito em direção ao poente até o anoitecer, paramos em uma clareira, armamos acampamento e ele começou a falar:
- Meu filho, todos nós temos vários estados mentais e emocionais que nos dominam a cada dia e instante, por exemplo: o seu povo era dominado pelo medo, o espirito do medo do desconhecido por exemplo, a curva do rio que assustava a todos; os barulhos noturnos e pegadas desconhecidas, além do desconhecido final do rio, o medo ao qual não podemos dar um nome. Você venceu estes medos e se aventurou, decidiu ser dono de seu próprio destino e arriscar, tomou as rédeas de sua vida e partiu. Mas para ser dono de seu próprio destino existe um caminho de aprendizado que deverá percorrer, irá fraquejar em alguns momentos e cairá querendo desistir, em outros irá se superar ganhando mais autoconfiança em sua estrada, até poder voltar e libertar seu povo, existem muitas armadilhas, algumas irão te seduzir, responda uma pergunta: Gostou do néctar que elas te deram para beber? Tome cuidado com ele, pode ser a tua ruína, te estacionar se usado da maneira incorreta, e das ervas de “poder” que seus anciãos lhes davam? Aqui neste mundo existem muitas, só que não estará na segurança de sua aldeia, aqui estará entre estranhos, estranhos estes que irão querer se aproveitar de você. Cuidado com quem deposita sua confiança, pode não ser merecedora e te magoar tornando seu caminho mais difícil.
“Não vou permanecer muito tempo com você, devo partir em busca do poder perdido para que possa encontrar o portal, lá quase não existe tempo, eu estou velho, devo passar o que aprendi aqui para os novos que chegarão, em breve irá receber visitas daquele que ficou no Castelo de cristal, após tantos séculos agora ele deve estar com a aparência que tenho hoje, como disse antes o tempo lá é diferente do daqui.
“Vamos prosseguir por uma parte do caminho juntos, meu dever é te ensinar o que puder sobre este mundo, os costumes, os povos, as culturas, e o principal, a língua universal, cada povo aqui fala uma língua própria, mas existe uma língua universal que todos os povos falam, você fala a de seu povo antigo, seus anciãos não ensinaram a vocês a língua do mundo pois acreditaram que não iriam precisar dela, depois você fará suas escolhas sozinho, existem muitos perigos, alguns por seres que sabem que o prometido está próximo, não me pergunte como, mas aqui existe muita magia e eles sabem através dela, com certeza vão querer te impedir pois querem dominar o mundo e os povos livres através de tradições impostas pelo medo, vícios e acomodações, além das promessas que nunca são cumpridas. Existirão magos e feiticeiras, são poderosos e tentarão se interpor em seu caminho, existem outros guerreiros de valor que não sabem o valor que tem, você é quem deverá lembra-los disso, não se esqueça de que todos nós temos as respostas, basta olhar para dentro com o coração limpo, apenas não nos lembramos delas, mas aprenderá mais a esse respeito com pessoas que vai encontrar, elas lhe ensinarão melhor do que eu, não posso falar muito mais sobre isso. Você os encontrará pelo caminho que vai seguir e eles o ajudarão a reencontrar a direção caso a perca. Alguns parecerão não merecer sua confiança mas na hora do aperto demonstrarão o contrário, posso te adiantar que será uma surpresa atrás da outra, agora devemos dormir. Boa noite.
“Dizendo isto se deitou e dormiu. Sei lá, esse velho me incomodava, dizia um monte de coisas, virava para o lado e dormia. Parece que eu estava adivinhando acordei no dia seguinte e ele havia sumido, havia um sinal indicando a direção que eu deveria seguir. Comi e comecei a caminhar falando comigo mesmo:
“Esse velho está louco se pensa que eu vou entrar em uma guerra que não é minha, essa disputa não tem nada a ver comigo. Prometido? Escolhido? Não sei nada a esse respeito, apenas sei que quero libertar meu povo, mesmo assim eu estava deslumbrado com tudo o que via.

“Encontrei muitas aldeias, o que aconteceu não importa muito agora, continuei minha caminhada sozinho, aldeia por aldeia, em cada uma me perdendo mais e mais. Acabei me tornando um gozador na vida, gostava de vinho, orgias, quase sempre conseguia o que queria, pois tinha uma grande capacidade de manipulação que fui adquirindo com o passar do tempo, foi a maneira que encontrei para sobreviver, se necessário mentia e enganava. Nunca tinha uma moeda guardada pois gastava tudo o que arrecadava com festas e bebidas. Minha casa, meu mundo do qual eu saíra e me aventurara a muito tempo, tempo do qual não tenho mais muitas lembranças ficou para trás, não tinha mais família, não sabia mais como estavam, nem onde, havia crescido em um núcleo desequilibrado que me levou a desacreditar das pessoas. Os que eu considerava iguais aos do meu mundo aliado à curiosidade de saber como era aqui fora e conhecer este mundo me levaram a me aventurar e viajar por ele em busca sempre de emoções novas e aventuras desafiantes.
“Comecei a me entorpecer com vinho e plantas de poder que me apresentavam uma visão diferente, vivia a ansiedade dos jogos, sempre acreditando que ganharia na próxima rodada e assim ia vivendo, como aprendi em casa, com meus pais e irmãos a não perder nunca, a não confiar em ninguém, pois tentariam me passar a perna mas tinha um porém, eu também não sabia preservar o que ganhava. Sofria muito por isso pois no fundo, no fundo queria algo melhor. Eu não conseguia ser como fui ensinado ou no que fui transformado pela estrada, talvez se tivesse sido melhor orientado não aconteceria dessa forma, não estava em meu intimo. Eu era um sonhador, tentava acreditar no outro, ansiava por encontrar alguém que me compreendesse e desse valor, era complicado pois, como poderia encontrar alguém assim vivendo como eu vivia? Queria parar em algum lugar, criar raízes, constituir uma família, me estabelecer. Até chegava a ficar um pouco em algum lugar mas acontecia tanto que em determinado momento ninguém mais acreditava no que eu dizia; minha imaginação era muito fértil, eu conseguia criar aventuras que nunca tinham acontecido, mas que era o que gostaria de ter vivido, não que mentisse, mas acabava fantasiando demais. Era um trovador, um contador de histórias e elas eram contadas de uma maneira tão real que até eu passava a acreditar nelas como se tivessem acontecido como eu dizia.
“Gostaria de ser como as pessoas comuns, mas não conseguia ter um lar, uma família, um trabalho, amigos, mas algo mais forte que eu gritava quando chegava em alguma aldeia, a Primeira coisa que procurava era uma taverna para beber um pouco de vinho. Caso não tivesse uma moeda bastava prestar atenção e perceber o momento, um violão para tocar, uma aventura para contar ou a pessoa certa para me aproximar fazendo amizade e sempre funcionava. Nestas horas era até feliz, enquanto não passasse da conta ou encontrasse a pessoa errada... Mas não adiantava, existia uma atração, era como se existisse um imã para me levar ao tormento do mal que estava em mim, meu lado obscuro vinha a tona e eu perdia o controle, era mais forte e me obrigava a cometer atos absurdos, insanos, coisas que não estavam em meu coração.
“Quando estava nas trilhas de alguma aldeia eu jurava que as coisas iriam ocorrer de uma maneira diferente. Por incrível que possa parecer eu estava sendo sincero, fazia planos para os próximos passos e nestes momentos me sentia um pássaro solitário, cantava pois era um trovador da inexistência, alegrava o coração das pessoas com minhas canções. Através delas reverenciava a natureza e a vida acima de tudo, estando em comunhão com ela me sentia em casa, tinha muitos amigos entre os seres que na floresta habitavam. Nutria meu interior com a força das árvores mais antigas em toda sua plenitude de onipotência, recebia a dádiva da sabedoria das flores, quando me banhava nas cachoeiras recebia a pureza e maleabilidade das águas que traziam a energia de todos os seres que se beneficiaram delas banhando meu corpo com a mesma energia e somando à minha para mais à frente fortalecer os que estivessem em seu caminho. Nestas ocasiões os espíritos de cada ser da natureza sorriam para mim e os elementais gritavam de alegria e também de tristeza pois sabiam que não estava seguindo meu caminho como deveria, mas as lições deveriam ser aprendidas e somente vivendo é que se aprende realmente. Assim prosseguia e as canções brotavam:

“Mochila nas costas, viola na mão,
caminho sozinho não tenho um destino,
não sei onde vou parar,
mas em algum lugar tenho que chegar;
Quando lá eu estiver, quero ser um vagalume,
na beira de um rio a brilhar,
quero ser as nuvens brancas,
no céu azul a passar, um pássaro solitário procurando se encontrar,
pode ser que um dia ele se resolva,
com suas asas coloridas, o arco-íris a enganar,
Pousar em uma grande ilha cercada, pelo mar,
lembrando da sua viola
se pôs logo a cantar para fugir de sua solidão
Se você o encontrar, ouça o que ele vai lhe cantar,
pode não ser muita coisa,
mas garanto que, vai te fazer pensar”

“Prosseguia sempre em frente pois realmente não podia voltar atrás de tanto que aprontava e neste momento, agora, estava nesta cidade, disseram chamar-se Zanaria e era a capital do reino,Aurehan. Como não existia um compromisso com meu destino porque não existia um preestabelecido, me tornei um barco sem leme, a correnteza me levava e qualquer paragem era um porto. Eu era muito vulnerável a influências externas e me entregava ao que surgisse em meu caminho. Nesses instantes sempre encontrava a pessoa errada, mas é assim, os semelhantes se identificam e se atraem, é tudo uma questão de sintonia e a minha não era muito produtiva. Foi assim que a conheci.
“Ela era duas pessoas em uma só, durante o dia chamava-se Eupatoria, seus cabelos eram dourados como o sol da manhã, encacheados e cobertos de flores, se vestia de branco e azul, procurava sempre ajudar aos que a procuravam, sua paz, alegria e bom humor contaminavam quem se aproximasse de seu jardim pois ali era sua morada onde cultivava ervas e flores usando-as para ajudar os que a procuravam. Observava sempre o lado bom das coisas e situações com otimismo. Era procurada por todos pois era também uma curadora, mas apenas durante dias de sol. Ela era estranha para alguns, quem se aproximava dela sentia uma necessidade de ser verdadeiro, muitos choravam pois não gostavam de se ver como eram, mesmo assim iam embora contentes por terem se visto. Mas ela era uma faca de dois gumes de um lado ajudava e orientava e de outro cortava fundo, tinha duas personalidades;
“À noite se transformava em uma mulher perigosa, chamava-se Agrimonia; todos tinham medo dela, a mudança era progressiva, durante a madrugada ficava pior. Tinha domínio de artes místicas que usava para muitos fins, um deles entorpecer os aldeões que a visitavam, com uma diferença: De dia ela curava e à noite nublava os pensamentos de quem a procurava com suas ervas de poder mantendo-os escravizados, trazendo ouro, jóias e presentes. Eles compravam o que queriam, desde algo para adormecer um guerreiro e o roubar, uma poção para a paixão, até o veneno necessário a seus fins para se livrar de quem incomodava, era ela quem nutria os viajantes e aldeões das drogas necessárias para seu sonhos e suas fraquezas. Eu a conhecera através de um amigo ( mui amigo ) que gostava de curtir a vida, mas ela sempre queria mais e eu não sabia qual interesse que ela tinha em mim, sabia alguma coisa que eu não tinha conhecimento, o poder que exercia era tão grande, parecia que eu tinha esquecido do velho e de tudo o que ele havia dito. Todos os avisos de Hottonia, todos os cuidados, todos os lembretes foram esquecidos. As coisas novas que eu experimentava se tornaram tão importantes que nada mais interessava, apenas as “viagens” e nada mais. Pensava sempre na próxima dose.
“Acabei prisioneiro daquela aldeia sem perceber, muitas vezes nos calabouços do rei por causa de minhas insanidades, mas sempre era solto como por milagre. Às vezes visitava Eupatoria durante o dia, que diferença, me sentia muito bem, não entendia muitas das perguntas que me fazia ou afirmações, minha mente estava turva com o que usava durante a noite com Agrimonia, perguntava se a conhecia, as respostas eram evasivas, percebia que não queria falar a respeito mas me dizia para ter cuidado. Algo a incomodava e a mim muito mais pois quando estava com ela percebia algo de errado comigo, mas não sabia o que era. Não dei muita importância a isso.
“Um dia estava na taverna conversando com Calluna Vulgaris, este era um bom amigo, adorava conversar, seu problema era a dificuldade de escutar mas aprendi muito, foi quando o vi entrar. Era enorme, usava um capacete com chifres curtos duas espadas, uma curta e outra grande, um pequeno machado na cinturas, era um guerreiro com certeza, havia vindo para o grande torneio do rei, este torneio estava trazendo muita gente de fora, ele parecia ser um homem do norte, dominador, um líder que sabia o que queria e para onde ia, um pouco prepotente e arrogante. Encostei nele puxando papo e fazendo amizade, chamava-se Vitis Vinifera, fui bebendo às custas dele, depois de muitas canecas de vinho ele percebeu que eu concordava com tudo o que ele dizia para agrada-lo e a intenção era de me aproveitar, até tentou se afastar, como eu não dava sossego partiu para cima de mim e me levantou acima da cabeça.
“Fui jogado para fora, graças aos céus meu alaúde foi guardado por Calluna, ainda estava inteiro, mas no vôo acabei caindo sobre uma carruagem que estava passando. Pensei comigo”:
“Este nobre não vai me castigar pois não foi culpa minha, fui jogado e antes de completar meu pensamento os guardas me pegaram e começaram a me acorrentar. Neste instante o nobre que estava na carruagem desceu e se aproximou levantando a mão para os guardas, eles pararam e ele disse se chamar Fagus e ser o rei, começou a falar:
- Você deve ser um dos escolhidos, nós o aguardávamos a muito, muito tempo, a profecia dizia que você surgiria de uma forma inesperada, atrapalhada até, bem só pode ser você pois nunca alguém atropelou minha carruagem antes.
“Eu não sabia bem do que ele estava falando, tinha uma vaga lembrança de um velho me falando a esse respeito mas tudo estava enevoado em minha cabeça, tinha bebido muito, mas concordei, ele era o rei, eu um plebeu que nem daquela terra era, então por que não concordar? Era o meu pescoço que estava em jogo. Fui levado para o palácio, lá me alimentaram, me vestiram e armaram, não disse nada mas nunca havia usado uma espada antes, quanto mais lutar e agredir alguém, sempre consegui o que queria na conversa, os conselheiros vieram me orientar a respeito da profecia e do torneio proposto pelo rei para encontrar o prometido, existia um elemento novo que eu não conhecia: “Um tesouro”. Existiam muitos escolhidos, e cada um deles teria sua função no reino, apenas teriam que provar seu valor, mas prometido existia apenas um. O tesouro era desconhecido, apenas o rei e alguns magos sabiam qual era, mas não disseram nada a respeito naquele momento, saberia depois. Levaram-me a meus aposentos a noite e me deixaram a vontade para dormir, o que não consegui, muita coisa havia acontecido e eu precisava assimilar.
“Percebi uma sombra na janela, já fazia muito tempo que me seguia e na hora de pegá-la, desaparecia, era muito rápida, parecia um animal. Mas cedo ou tarde iria se descuidar. Agora eu queria dormir, quem sabe durante a noite teria um sonho que me dissesse o que fazer ou como tirar proveito desta situação”.
“Ouvi um leve movimento no meu quarto e abri os olhos sem me mover, aprendi a ficar esperto neste mundo, sorri, pois o vulto que me observava da cadeira em minha frente não parecia muito grande, creio que conseguiria derrubá-lo, me movi rápido, mas ele foi mais rápido ainda, parecia uma pantera e me segurou. Era uma mulher da aldeia de Zeedris, estava me seguindo desde que parti com o mago, me fez um sinal pedindo silencio e marcou de se encontrar comigo na taverna de Calluna quando o sol estivesse alto. Em seguida saltou pela janela e desapareceu na névoa da noite, não consegui dormir tentando entender o que poderia querer comigo”.

Agrimonia Eupatoria - Agrimony - agrimônia
Calluna Vulgaris - Heather - urze, planta do brejo
Vitis Vinifera - Vine - videira

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Personagens/prelúdio e antepassados

01-PRELÚDIO

“Estamos em Zanaria, a capital do rei. O reino de Aureham está em festa, todo o castelo foi decorado com as mais lindas flores, o enfeite mais belo, tudo brilha e resplandece; os criados estão felizes, sempre ficam assim quando as festas acontecem, esta para eles é muito mais especial do que todas as anteriores, pois muitas coisas mudariam no reino”.

“O rei Fagus Sylvatica é um homem muito sábio e justo, procurava manter seus súditos satisfeitos e felizes; por sua vez eles lhe retribuíam em lealdade e amor. Mas sua rainha havia perecido já fazia algum tempo o que o entristecera muito, a não ser por um presente que lhe deixara: Uma herdeira, a princesa Impatiens Glandulifera que todos amavam e adoravam, não havia como descrever sua beleza, pois era linda demais, não só por fora, mas também por dentro, sua bondade não tinha igual. Mas já estava chegando na idade de se casar e existiam muitos pretendentes, de seu reino e de reinos em volta, restava agora saber quem seria o escolhido pois o povo ficava apreensivo e com medo, sabia como funcionavam as coisas nos reinos vizinhos. Este era o motivo desta festa ser especial para eles, seu futuro estaria sendo selado com o escolhido.

“O rei também sabia disso pois era um homem que já havia visto muitas vidas e vivido muitas outras. Por este motivo organizara um torneio para escolher o pretendente que melhor cuidaria de sua filha e de seu reino. Não seria uma disputa de habilidades na arte da luta ou da guerra e sim uma disputa para selecionar o mais valoroso homem, que fosse guerreiro, sábio, amigo, observador e principalmente: bondoso e tolerante. Apenas em um torneio onde seriam testados pelas situações do caminho é que as qualidades viriam à tona e seriam percebidas sem disfarces.

“Ele deveria ser inocente como as corças que corriam pelas florestas; fiel e leal como os falcões que protegem seus ninhos; corajoso e destemido como uma mãe ursa que defende seus filhotes; sábio como o vento que sopra onde sabe ser necessário; observador e paciente como a lua que observa seus ciclos esperando o momento certo de mudar; sonhador como uma criança que planeja seu futuro em meio às tempestades criando mundos onde não existiam; enfim, ele deveria ser um rei de verdade mesmo que não soubesse que o era, se fosse necessário teria que ser preparado pois todos sabem que o Universo não escolhe os preparados e sim prepara os que foram escolhidos, e se fosse necessário o rei daria um jeito. Em sua sabedoria preparou uma prova em que talvez nenhum dos pretendentes sairia vitorioso. Deveria ser encontrado um tesouro de valor inestimável que não existisse igual. A este tesouro não seria dado um nome mas o valor de cada homem seria medido pelo que acreditava ser um “tesouro”, sabia o que estava fazendo, a escolha certa, as profecias diziam que o prometido surgiria em sua frente de forma inesperada, “atropelada”, de um jeito que não poderia passar despercebido então ele, o rei, saberia que havia encontrado o prometido...

“O rei tinha como hábito consultar o grande livro sagrado e foi nele que teve a inspiração para este torneio para descobrir o valor de cada ser que habitava seu reino e os vizinhos, isso porque não existiam apenas seres como nós conhecemos em Centáurea, seres estranhos andavam em suas trilhas e viviam em seus reinos, seres valorosos, dignos, misteriosos e também outros inferiores como em todos os mundos, gananciosos, ladrões, mentirosos, que venderiam suas almas por uma moeda de ouro. As florestas escondiam muitos segredos, mistérios e perigos, este mundo chamava-se Centaurea. Este momento era crucial pois as trevas estavam se tornando mais fortes a cada dia e entre os escolhidos estaria o prometido que salvaria o reino através do encontro do tesouro.

“Eu estou encostado em um canto ao lado de uma coluna observando a corte reunida que aproveitava este momento para flertar com seus pares e combinar encontros com seus consortes, era claro que para a maioria dos que estavam presentes os motivos da festa não importavam e sim os resultados das relações que promoveriam neste dia memorável. Hoje estão presentes reis, rainhas, príncipes, duques, condes, aventureiros, cavaleiros, sábios, magos, enfim, toda a sorte de pessoas poderosas ou não; mas não importava, todos os que aqui estão neste momento poderiam pedir favores, ganhar aliados ou comprá-los, se oferecer como tais, flertar, conhecer futuros amantes, beber, comer, etc. Como sempre, se aproveitar do momento de festa.

“Estão presentes inclusive os que perderam a disputa promovida pelo rei para o prometido de nossa princesa, novo príncipe e futuro rei de Centáurea. Estão aqui os que voltaram com jóias preciosas saqueadas em um reino vizinho mas que não eram o que o rei pedira; os que vieram com povos conquistados como escravos, mas também não era o que o rei determinara; outros trouxeram seres desconhecidos como prisioneiros, o que me incomodou pois estes seres desconhecidos, alguns de aparência estranha eram da mesma espécie dos muitos que me ajudaram em minha jornada até aqui, todos os lugares por onde passei, as pessoas que encontrei, as situações que vivi, foram necessárias para chegar aonde estou agora, assim como o lugar onde estou me trará os ensinamentos que preciso para ir onde sou esperado. Ser esperado, sim, sou um dos que eram esperados, o único que sem saber encontrara o tesouro solicitado pelo soberano, pensei estar derrotado pois não havia conquistado povos, riquezas, terras, nada, a única coisa que me fez voltar foi a confirmação de Quercus. Mudei muito durante a busca, enfrentei inúmeros perigos principalmente dentro de mim, os meus medos interiores, sofri derrotas, foram as coisas que me aconteceram em minha longa jornada desde o momento em que sai de minha terra que me ajudaram a crescer, eu não era mais o que fui um dia passado, mudei minha forma de sentir, pensar e agir.

“Sim, eu fui o vencedor do torneio, o único que encontrou o tesouro solicitado sem saber que o mantinha comigo desde o momento em que havia nascido, perambulei por florestas e montanhas, encontrei seres dos quais apenas ouvira falar e outros que nunca imaginara, conversei com magos, Centauros, feiticeiras, árvores falantes, espíritos da floresta seres do éter, estrelas, dragões, valorosos guerreiros, lindas aldeãs, perigosos ladrões, aventureiros perdidos como eu que já nem sabiam onde era sua terra ou para onde estavam indo quando se envolveram em sua caminhada. Alguns dos que encontrei me entusiasmaram para prosseguir em minha busca e me acompanharam em busca de aventuras e é claro uma parte do tesouro, enquanto outros procuravam me manipular e atrasar com os subterfúgios da ilusão e outros ainda que tentaram me impedir aprisionando-me para que não completasse minha busca.

“Parece que foi ontem. Me recordo como tudo começou, como entrei nesta aventura longe de meu povo, do qual sinto de vontade de estar novamente perto, lembro das fogueiras à noite, as histórias que eram contadas nelas, dos sábios com o conhecimento secreto de nossas origens e do mundo ao nosso redor e principalmente de minha amiga e companheira de infância Populus Tremula”.

“Venho de Terea, meu povo vivia em uma aldeia em um platô no alto de das Cordilheiras Altas, o acesso não existia mais como no tempo de nossos antepassados, fazia muito que meu povo se evadiu para lá, mais do que se pode lembrar, o caminho foi destruído pelos antigos para não ser encontrado pelos que viviam fora. Estávamos neste lugar a mais tempo do que poderíamos nos lembrar, os anciãos contavam historias em volta da fogueira. Falavam de batalhas pelo poder, de feiticeiros fantásticos que lutavam alguns pelo bem e outros pelo mal, seres inimagináveis para meu povo que apenas estava acostumado com o que via. Essas lendas falavam de castelos magníficos, cavaleiros em armaduras brilhantes carregando estandartes com o símbolo de seus senhores que se digladiavam em nome da honra, belas princesas infalivelmente em perigo esperando serem salvas por um audacioso cavaleiro de valor, seres gigantes a que se dava o nome de dragões com asas imensas encobrindo o sol quando voavam, soltavam fogo”. pelas narinas e pela boca, viviam para destruir e se alimentar de seres humanos(vim a descobrir depois que não eram tão maus assim).

“E eu ficava maravilhado com essas histórias, me imaginava vivendo essas aventuras, sendo um cavaleiro, um guerreiro, um trovador que fosse, mas vivia as histórias do passado, não conseguia mais viver com meu povo, eles tinham medo de cair no rio pois sabiam que o rio os levaria ao passado contado nas fogueiras e do qual tinham medo, medo do que poderia lhes mostrar o rio depois da próxima curva pois todas as lendas diziam que a nascente da qual bebíamos água, nos alimentávamos, nos banhávamos, depois da curva se encontrava com o mundo do qual nossos antepassados se refugiaram vindo para estas montanhas, um mundo onde imperava a discórdia, a desconfiança, onde nenhuma pessoa podia viver seus sonhos pois era considerada louca, mas engraçado, as pessoas que são praticas, que executam, precisam de loucos e sonhadores que lhes dêem o que realizar...Mas os que eram práticos e executores não sabiam lidar com isso, queriam manter o controle dos sonhos dos loucos sem perceber que mantidos sob pressão e tensão não iriam mais conseguir sonhar e assim sendo passariam a ser perseguidos. Os executores se alimentavam e se divertiam com os sonhos, davam gargalhadas sem perceber e assumir que gostariam de ter o ímpeto e a coragem de viver aqueles sonhos. Eles precisavam dos contadores de historias para alimentá-los. Aqui eu fazia parte dos que queriam sonhar, quando nosso povo abandonou aquele mundo e veio para cá ainda sonhava, hoje já não sonha mais como no principio, apenas se alimenta dos sonhos velhos dos anciãos, a única coisa que sabem do mundo exterior são lendas passadas e quase esquecidas, isso contadas do jeito deles a fim de nos manter longe de lá, restava para nós criar nossos sonhos a partir do que nos contavam.

“Eu acreditava que após a curva do rio poderia encontrar a verdade da origem de meu povo. Pretendia fazer uma balsa, abandonar as histórias contadas na fogueira e começar a vivê-las pessoalmente, meu povo já não lembra mais o porque de ter se refugiado neste vale. Existiam magos que curavam as feridas físicas e emocionais do povo, utilizavam certas ervas que só eles conheciam e sabiam manipular, muitas nos levavam a um mundo de sonhos controlados por seres mitológicos e desconhecidos dos humanos. Hoje eu sei que esses mesmos magos se perderam em seus conhecimentos e ervas, criando um mundo tão fantástico além da curva do rio que passaram a ter tanto medo dele quanto o que colocavam em nós. Mas eu não tinha tanto medo assim e partiria, só estava aguardando o momento de estar pronto. Minha balsa deveria ser construída em segredo, ninguém poderia saber dela, do contrário tentariam me impedir, me fariam ingerir da bebida que todos tomávamos e que nos levava a outros mundos e assim os”. nossos anciãos manteriam seu poder sobre mim, me deixando alienado do mundo exterior e com medo.

“Apenas minha amiga e companheira Populus, que apesar de me dizer que eu estava louco é quem sabia o que pretendia. Eu mantinha meus sonhos, sonhos esses de viajar e conhecer o Universo que me estava sendo negado por superstições antigas e que para mim apenas despertavam a curiosidade de viajar. Eu consegui, montei a minha balsa e convidei-a para ir comigo, mas não aceitou, o medo era maior do que a vontade de arriscar e conhecer o mundo desconhecido que aguardava pulsante lá fora, depois da curva do rio, ela tinha pressentimentos a respeito do que podia acontecer e isso a assustava. Preparei a balsa com todo meu carinho, era na forma de um caiaque largo e não muito longo para ficar fácil de manobrar caso se fizesse necessário, montei uma cobertura de couro que vinha curtindo e costurando em segredo já fazia algum tempo. Todo o conhecimento que consegui acumular no decorrer dos anos que vivi no alto de minha montanha montei em pergaminhos, elaborei um mapa da região conhecida por nós, não nos aventurávamos muito longe da aldeia por isso o mapa era dos arredores dela, levei pergaminhos lisos para fazer mapas dos lugares por onde passasse, e levei os que copiei das histórias dos velhos, se é que poderia chamá-los assim pois como já disse as informações que nos eram passadas não eram muitas, mas aproveitava os momentos em que os anciãos entravam em transe, nessas horas eu me aproximava da cabana onde se reuniam e ficava em silencio escutando, usando a imaginação e a arte de sonhar montei meus pergaminhos e mapas ( mal sabia que não durariam muito tempo comigo ). Separei frutas, algumas verdes pois amadureceriam com o passar dos dias, outras maduras para poder comer enquanto viajava; um pouco de pão e de carne seca, que não estragaria durante o trajeto permanecendo saudável para meu paladar. Separei cobertas, o fim do rio depois da curva poderia estar distante e o frio da noite poderia me incomodar demais; levava meu alaúde, instrumento de cordas com a caixa pequena em formato de um casco de tartaruga onde em suas cordas encontrava conforto e encantava a aldeia, serviria para me distrair durante as noites intermináveis que teria pela frente, como sempre havia sido meu companheiro, agora seria muito mais.

“Todos tinham medo do rio, pois aqueles que o desafiaram nunca mais voltaram, no fundo no fundo eu tinha medo também, mas não de não voltar e sim de não conseguir chegar em nenhum lugar e descobrir que estava errado, eu não sabia como era o fim do rio ou como ele se comportaria. Vejamos, após a curva a mata começava a se fechar pouco a pouco, até poderíamos abrir picadas e trilhas, mas o medo entre todos sempre foi maior do que a vontade de arriscar, ouvíamos ruídos vindos desta mata, sons que durante a noite nos mantinham em nossa aldeia sempre próximos das fogueiras e uns dos outros, durante o dia percebíamos rastros ao redor dela, muitas vezes os seguimos mas sempre terminavam no ponto em que a mata se fechava, alguns eram de animais conhecidos mas outros muito estranhos, como um deles que parecia ser de um bode, mas bodes não andam apenas com as patas traseiras. Sempre que estes rastros surgiam se ouvia o som de um assobio, porque não dizer de uma flauta bem suave, alegre e distante. Este era o que mais despertava minha curiosidade. Já para o lado de onde vinha o rio tínhamos trilhas, era nele que pescávamos nosso alimento principal e nos divertíamos nadando e brincando, s mulheres lavavam as roupas nele, mas nunca nos aventuramos longe o bastante para ver onde ele nascia.

“Até que chegou o grande dia da minha partida, eu estava pronto. Me despedi de Populus, dei uma última olhada para minha aldeia e segui para o rio, construí minha balsa próximo da curva pois sabia que não haveria perigo de alguém encontrá-la. Já estava abastecida e pronta, o dia começava a despertar e o sol se levantava no horizonte. Parti com um aperto no coração, era doloroso sair assim sem me despedir daqueles com quem convivi desde meu nascimento, escondido como um ladrão, mas era necessário, não acreditava ser justo o que os velhos do conselho estavam fazendo conosco, nos privando de um mundo que nem eles viram, queriam que fossemos como eles, com medo do desconhecido. Eu ia tirar isso a limpo agora e voltar para contar a todos o que vi, o que era verdade ou mentira. Parti com uma canção em minha voz e meu coração:

“Olhe pássaros cantando, esperança não morrera,

ela te faz imortal, quando acordar

verá que somos seres de luz;

E o amor baterá em seu coração,

e você sentira as flores

dançando o ritmo do vento;

Atravessando fronteiras, cruzando o espaço,

e ao som desta música eu saberei

que procuro uma estrada;

Onde todos cantem juntos, olhe a luz como brilha

os astros que dançam

a Orquestra Transcendental do Céu”

“O caminho após a mata fechada se abria e as paisagens eram lindas, pássaros, caça abundante e todos sem medo, não conheciam os homens nem sabiam o perigo que representavam, a mata impedia os animais de se aproximarem e o medo prendia os homens. Continuava repetindo minha canção e a paz foi me envolvendo, até que adormeci, havia passado a noite em claro sonhando com o que encontraria, estava cansado e a segurança excessiva que sentia foi me amolecendo. Despertei com um estrondo, pareciam trovões, quando olhei à frente só pude perceber a entrada da caverna, enorme, parecia a boca gulosa de um Dragão, a força da correnteza havia aumentado, não tinha como me desviar para a margem, os remos não adiantavam, segurei-me nos lados e comecei a rezar:

“Pai, sempre fui insatisfeito com a vida que levava,

me sentia um prisioneiro, queria conhecer novos mundos,

outros povos, libertar meu povo do medo com o qual convivemos a tantos séculos,

claro, não era apenas isso, também existia a minha curiosidade

e a minha vontade que talvez também fosse a sua porque sei

que não concede um desejo muito forte a ninguém sem dar também

o poder de realiza-lo, se for para me juntar ao senhor neste momento posso aceitar,

não quero desafiá-lo, mas se preciso for o farei pois irei lutar,

não sei o que foi destinado para mim,

Quero pedir, serenidade para aceitar o que não posso mudar,

a coragem para enfrentar aquelas que posso

e a sabedoria para perceber a diferença.

E essa situação acredito poder mudar pois não acredito

que me trouxe até aqui apenas por capricho,

se for uma prova para ver minha determinação eu aceito”

“Neste momento os céus me responderam com um trovão, nunca havia ouvido nada assim antes, meu sangue gelou, devo ter deixado alguém muito bravo lá em cima e então a caverna me engoliu, era uma escuridão sem igual, nunca tinha visto nada assim e pensei comigo: “Chegou minha hora, quem sou eu para desafiar o “Pai” e meu destino?” A balsa continuava acompanhando o rio, mas não sei porque, não se aproximava das paredes da caverna, a velocidade da água começava a diminuir mas havia um outro estrondo, maior que o da entrada da caverna e isso me assustava mais ainda, será que o “Pai” queria primeiro me apavorar mostrando quem mandava para depois me levar? Não, não podia ser isso. A luz começou a surgir, estava chegando ao fim e o barulho aumentava cada vez mais, o céu surgiu, este local era mais lindo ainda que o anterior mas não deu muito tempo para ver pois o barulho me atraia mais. Me dei conta então, uma cachoeira grande, não deu nem tempo de tentar pular na água e nadar para a margem, a hora que vi estava despencando e foi quando perdi os sentidos.

Fagus Sylvatica - Beech - faia

Impatiens Glandulifera - Impatiens - maria sem vergonha, beijo

Populus Tremula - Aspen - choupo

02 - ANTEPASSADOS

“Acordei na margem do rio, sem balsa, mantimentos e ensopado, demorou um tempo até entender o que havia acontecido. Fiquei parado, sentia que olhos me observavam, as histórias antigas me voltaram à mente e tinha medo de mover a cabeça, gostaria de não sentir mais medo, mas nasci e cresci com ele plantado em meu interior: “Não vá por ali, não entre lá, é perigoso, não faça isso, não faça aquilo”, e esse desejo que me movia: “Porque não arriscar? Porque é proibido?” Só diziam que era, mas não o porque.

*inserir gravura na página ao lado da descrição a seguir

“Criei um pouco de coragem, e levantei a cabeça, o que vi me surpreendeu pois não era o que esperava, ao invés de dragões com bocas em chamas ou monstros vi lindas mulheres montadas em cavalos que nunca havia imaginado antes existirem, os corpos deles da cintura para baixo era de cavalos de porte magnífico, mas da cintura para cima eram homens,. Eram denominados Centauros, parecia um cruzamento de cavalos e homens, como surgiram se perdeu na história dos tempos. As mulheres? Bom, elas eram lindas, todas tinham longos cabelos dourados que desciam em tranças ou soltos quase até a cintura, vestiam roupas de pele mas deixando o corpo à mostra, botas, isso dava mais mobilidade durante as batalhas, seguravam lanças nas mãos, e todas tinham adagas e espadas na cintura bem como arcos e flechas presos às costas. Eram guerreiras. Mostravam-se mais surpresas do que eu e conversavam com suas montarias a meu respeito, eles seguravam em suas mãos arcos e flechas, pareciam tensos e eu fiquei preocupado. Não me movi, esperava que dissessem algo, conversavam em uma língua que eu não conhecia. Ao meu lado repousava meu instrumento, estava intacto, me veio uma idéia na cabeça, estendi as mãos para ele e comecei a tocar e cantar:

“Hei amigos, vou lhes contar uma história,

uma história interessante, interessante demais,

Essa história fala de um cara diferente,

que andava por aí contando para a gente,

histórias diferentes, contando histórias,

Ele dizia querer sair e andar por lugares longínquos,

lugares onde encontraria seres amigos,

que voavam pelo espaço sideral

situado em algum lugar,

Ele não pedia que acreditassem no que ele dizia,

apenas cantava para quem quisesse ouvi-lo,

e foi quando ele disse que a fantasia é um meio muito especial

para melhorarmos nosso encontro com esse mundo.”

“Bom, os Centauros armaram seus arcos quando peguei meu instrumento, as guerreiras puxaram suas espadas, mesmo assim continuei tocando, pensei comigo: “Qual a melhor maneira de se perder o medo a não ser o enfrentando?” Aos poucos os arcos começaram a se afrouxar, as espadas foram embainhadas outra vez e todos começaram a sorrir para mim. Eu estava abobado, se a música acalmava as feras, comecei a pensar na próxima, mas não tive tempo pois elas desceram de suas montarias e me examinaram. Gritaram uma ordem e do fundo do grupo vieram duas mulheres vestidas com longas vestes brancas maio que transparentes, pareciam sacerdotisas de algum culto, não portavam armas, elas pegaram com todo o cuidado meu instrumento, o embrulharam e guardaram, em seguida levaram-me até um Centauro ajudando-me a montá-lo, observaram se estava seguro, conversaram algo que não compreendi com ele e sorriram para mim se dirigindo para suas montarias. A guerreira que as comandava gritou algo que parecia ser uma ordem de marcha e todos começaram a se mover para dentro da floresta.

“Eu não sabia para onde me levavam ou o que diziam mas sorria para cada um que olhava para mim, e todos olhavam pois meus cabelos eram castanhos, minhas vestes estranhas e eu sorria mais do que o normal deles. E determinado momento a floresta se fechou de uma forma que passávamos em fila indiana, um após o outro. A trilha acabava em uma caverna e eu de cavernas já havia tido minha cota naqueles dias, mas agora era diferente, estava acompanhado de seres que conheciam o caminho e sabiam para onde estavam indo. Entramos na caverna e tochas estavam acesas, as sentinelas já haviam nos visto e estavam prontas nos aguardando, ficaram surpresas com minha presença, não pareciam ver muitos homens por ali. Quando chegamos ao outro lado da caverna fiquei abismado com o que vi, uma cidade toda construída em pedras, troncos e sapé. Fiquei curioso em saber de onde vinham, porque não existiam homens ali, para onde será que teriam ido? Vi alguns meninos, mas todos com no máximo um ano, O que haveria levado aquelas mulheres a se refugiarem dentro do que parecia ser um gigantesco vulcão adormecido?

“Ordens foram dadas e fui levado para uma cabana, obedeci sem pestanejar, não sabia o que seria feito ou decidido a meu respeito. Me serviram frutas, carne e pão, para beber trouxeram algo que nunca havia tomado antes em minha aldeia, era uma bebida que aquecia por dentro e descia queimando um pouco a garganta, ela revigorava o corpo e a mente ao mesmo tempo em que relaxava também. Me alimentei e bebi, logo em seguida adormeci, não sei se por causa da bebida ou outro motivo.

“Acordei sentindo que era observado (estava se tornando um hábito acordar assim ), havia uma linda mulher toda vestida em sedas brancas me estudando, sorri para ela e tentei conversar mas não me entendia, fez um sinal para que a seguisse e me levou até a nascente, entregou-me uma toalha e apontou a água, deu-me também uma barra de sabão cheiroso, um cheiro diferente também, tudo era diferente, tudo era estranho para mim, tudo era novo. Me banhei e ao sair da água encontrei roupas limpas me aguardando. Quando estava pronto fui encaminhado ao centro da aldeia onde o conselho se reunia a minha espera. Estavam todos lá, os Centauros, as guerreiras e no centro a rainha. Disseram algo e de uma outra cabana um vulto começou a se aproximar, vestia uma longa capa com capuz e não dava para ver o seu rosto, apenas que tinha uma idade avançada, devia ser uma conselheira porque todos a reverenciavam, ela se aproximou e se sentou ao lado da rainha. Teve início o debate:

“Conversavam entre si em sua língua estranha, isso se prolongou por um tempo que parecia ser interminável, os Centauros pareciam estar nervosos comigo e minha presença os incomodava, isto estava bem claro, as mulheres estavam curiosas, interessadas, isso pela novidade pois nunca um homem havia sido levado para dentro da cidadela, e isso era motivo de curiosidade, principalmente entre aquelas que nunca haviam tido um. De repente a que parecia ser a conselheira se virou para mim, não disse nada, apenas retirou o capuz e foi então que fiquei mais surpreso ainda, não era uma mulher, era um homem idoso. Tinha uma expressão de sabedoria e serenidade. Começou a falar comigo e continuei sem entender nada até que tentei falar em minha própria língua.

“Para ele foi uma surpresa, disse algo para o grupo e fui levado para sua cabana, enquanto aguardava comecei a pensar em um plano de fuga, vai saber o que iam fazer. Então veio o silencio, havia terminado o debate e ele entrou acompanhado da rainha. Me observava como se me conhecesse a muito tempo e me esperasse, de repente começou a conversar comigo em minha própria língua, o que me surpreendeu.

“Disse chamar-se Hottonia Palustris e que me encontrava na aldeia de Zeedris e o vale se chamava Zedram, estas mulheres eram chamadas de as Guerreiras de Zeedris. Então me contou a história de um povo valoroso e sábio. Viviam fora da cidadela e um pouco distante, a muito tempo atras ele desaparecera sem deixar rastros, eram guerreiros, grandes amigos de todos os povos que necessitassem e construtores também. Mas um dia depois de muitos debates de seu conselho de anciãos, grande parte da aldeia resolveu abandonar as armas e o contato com o mundo. Tentaram se isolar em seu próprio espaço mas sempre, sempre surgia um andarilho trazendo historias de longe, de guerras, fome, explorações contra os mais fracos, eles diziam não poder mudar o mundo, apenas preservar o seu próprio. Então enviaram exploradores em todas as direções em busca de um lugar onde as notícias não os alcançassem e pudessem preservar seu povo. Muitos dos que partiram não voltaram, os anciãos imaginaram que foram seduzidos pelo mundo do qual pretendiam fugir, isso fez com que o desejo de desaparecer se tornasse maior. Começaram a influenciar o povo para que não recebessem as pessoas de fora, trancaram seus portões e saiam apenas para caçar e nunca sozinhos.

“Um dia, depois de muito tempo, quando as crianças haviam crescido e sabiam apenas que não podiam sair, bom, nem lembravam como era do lado de fora, os adultos em sua maioria já não se dava conta de sua prisão auto imposta, chegou um senhor de uma certa idade. Não quiseram deixa-lo entrar, ninguém o conhecia e a lei não permitia, colocaram comida e bebida no portão e o fecharam novamente. Ele ficou ali por dias, até que um dos velhos do conselho que ainda não tinha morrido pois grande parte dos que criaram a lei de isolamento morreu pela idade resolveu dar uma olhada, isso porque a determinação do estranho era forte, e a curiosidade dele foi grande. Foi levado até os muros e olhou, ficou chocado e não conseguia falar pois reconheceu um dos que a muito tempo haviam partido em busca de um novo lugar. Assim ele, o “estranho“, foi recebido dentro dos portões com músicas, todos sabiam que muitos partiram e nenhum havia regressado, mesmo que ele não houvesse encontrado a nova terra estava de volta, e como era um povo que amava as artes e a música cantaram a canção dos que partiram:

“Eles se foram, partiram para longe,

num rumo qualquer, vão em busca,

de vales distantes, voltarão?

Esperamos seu retorno com boas novas,

que o céu os acompanhe e os traga de volta

seguros e em paz”

“Todos aguardavam ansiosos que começasse a falar e enquanto isso pensavam nas novas linhas que acrescentariam na canção falando do retorno. Após seu descanso começou a falar aos anciãos primeiro:

- Andando atras de respostas e de um novo lar como foi ordenado, vimos os mistérios de um mundo estranho, depois de muito tempo chegamos ao alto de uma grande montanha e vimos um vale perdido, encontramos uma nave estranha e entramos, Ela subiu no espaço e entrou num portal, era um portal do tempo a nave pousou, era como um outro mundo, mas em uma dimensão paralela à nossa dentro de nosso próprio mundo. Fomos recebidos com instrumentos e sem armas, bailarinas enfeitadas dançavam sua música e assim fomos bem vindos com honrarias e festas. Ao longe, os anciãos em Theluris o Castelo de Cristal aguardavam a nossa presença ansiosos pois tinham uma mensagem para o nosso povo:

“A tempos temos observado vocês, o egoísmo e o medo os está dominando,

querem encontrar uma nova terra, vão encontra-la, mas não é aqui.

Não tentem mudar o mundo ele muda por si só, antes procurem mudar seus corações,

principalmente cuidem dos pequenos, não tentem moldá-los de acordo com seus medos,

ensinem, mostrem, mas principalmente deixe-os tomarem suas próprias decisões

e fazerem suas escolhas, cada um tem seu próprio caminho a seguir,

se tiver sido bem orientado nas leis da intuição e do Universo seguirá a trilha correta,

mesmo que sinta alguma dor, ela é necessária ao aprendizado e ao crescimento do ser,

observem seu próprio comportamento, ele servirá de exemplo a eles.

Um de vocês deverá permanecer aqui conosco onde será iniciado

e irá tornar-se um de nós enquanto o outro voltará para o seio de seu povo para guia-lo,

mas não agora, a passagem já se fechou e se abrirá apenas daqui a alguns anos,

viverá aqui por um tempo e aprenderá nossos costumes,

quando a passagem do portal se abrir

partirá levando o conhecimento aprendido no castelo de cristal,

o outro apenas poderá voltar de tempos em tempos

quando for necessária alguma intervenção,

existem muitos de nós em seu mundo mas outros devem ser preparados,

um de vocês será ele e temos dito.”

“Haviam se passado anos desde que partimos em grupos de dois, e anos que permaneci vivendo com eles, eu fui o que voltou para guia-los para nossa nova terra, é linda mas o caminho até lá é penoso, longo e cansativo, mas não faltam abrigos, caça ou água para todos. Devemos partir o mais breve possível pois estou velho já e temo não agüentar a caminhada de volta. Durante o percurso procurarei ensinar tudo o que aprendi a todos, fiz alguns mapas da região próxima de lá para o caso de não agüentar, reunam a aldeia e digam a todos que se aprontem, agora quero descansar.”

“Encerrou sua narrativa, isto era parte do que estava escrito em pergaminhos encontrados a muito tempo por seus antepassados e que foram passados de pai para filho até chegar em suas mãos. Aquele povo nunca mais foi visto, sua aldeia foi abandonada e a língua falada era a mesma que a minha, por isso ficou surpreso ao me ouvir, claro o sotaque era diferente. Ele também havia aprendido da mesma forma que recebeu os pergaminhos. Agora queria saber a minha história, de onde vinha, quem era meu povo e para onde ia. Onde havia aprendido a língua antiga que nunca mais foi falada? Eram muitas perguntas que ele tinha e muito mais ainda as minhas. Ordenou que me deixassem em paz trouxe os pergaminhos antigos para que eu os estudasse pois havia mais neles do que havia me dito, depois voltaríamos a conversar. Ele tinha algumas coisas a me dizer a respeito de uma antiga profecia que apenas magos como ele e os reis tinham pleno conhecimento e dizia respeito a mim.

“Comecei a ler depois de me lavar e comer, era a escrita de minha gente e quanto mais eu lia mais me surpreendia pois comecei a perceber que era a história de como meu povo abandonou a região para se refugiar onde nasci. Não falava a respeito da viagem ou do caminho mas ali aprendi muito a respeito de minha história, nossos medos e outras coisas que se perderam com o passar dos séculos. A intenção inicial, a mensagem dos magos de Theluris e a missão de meu povo em relação ao mundo se perdeu dentro da loucura e do esquecimento. Minha gente se tornara um bando de seres do mato, com medo da curva do rio e no final sem saber que estavam vivendo assim por causa da loucura de velhos. Pensava comigo que deveria voltar e dizer a todos o que descobrira, mas precisava saber mais.

“O dia nasceu radiante, eu acordei bem disposto e sai de minha cabana, do lado de fora encontrei meu alaúde encostado na parede e, sentadas, as Guerreiras aguardavam pois queriam me ouvia tocar e cantar, a minha música era nova para elas, diferente do que conheciam, cantei uma canção que gostava muito de tocar pela manhã:

“Venha comigo, venha ver o mais lindo alvorecer,

venha cá, sente-se aqui e venha ver o dia nascer;

Olhe os pássaros cantando e as flores desabrochando,

elas só estão dançando para poder saudar o sol,

Olhe a árvore onipotente e descubra seus segredos,

a sabedoria de viver e deixar acontecer;

Nunca te passou pela cabeça todo tempo perdido

olhe para traz e veja as dificuldades em seu

caminho, para poder saudar o sol,

então sorria ele gostou de te ver por aqui

e vai te iluminar o caminho para chegar ao seu

destino e lembre-se de uma coisinha o caminho

continua a ser bonito, basta apenas virar-se, olhar para os lados e sorrir.”

“Todos aplaudiram minha canção e eu estava feliz, queriam mais, mas o velho chegou e me chamou para caminhar um pouco, depositei meu alaúde com todo carinho e o segui. Caminhamos em silêncio até uma queda d’água e nos sentamos, ele perguntou se havia lido os pergaminhos e respondi que sim. Disse a ele ser descendente daquele povo e contei o que sabia de nossa história, o que os anciãos fizeram e continuavam fazendo, o medo de todos do mundo exterior, de minha viagem, a caverna, a cachoeira e a queda até ser encontrado pelas Guerreiras. Ele ficou pensativo por um tempo e começou a falar:

- Isso não é bom, aqueles que deveriam orientar seu povo não o fizeram, os ensinamentos contidos nos pergaminhos não foram utilizados e sim trancados, aquele que voltou, sabe algo sobre ele?

“Sei apenas o que nos foi contado, que um mago poderoso começou a guiar o povo e morreu no caminho, que tinha feito mapas e com eles nossos antepassados encontraram o platô onde estão até hoje. Creio que devam existir pergaminhos contando o que aconteceu de lá para cá mas não temos acesso a eles. O que sabemos é o que nos contam, nada mais.

“Conversamos por toda a manhã e soube muita coisa a respeito do mundo aqui de fora contada por ele, nosso conselho havia nos enganado por gerações. Perguntei a respeito da tal profecia que me envolvia, disse que depois de comermos falaríamos a respeito pois era muito sério e envolvia todo o reino. Me explicou que no tempo em que meu povo vivia ali, cada aldeia era dependente de si mesma, com o passar dos séculos foram surgindo guerras por posse de terras e escravos, um período de trevas tomou conta do mundo e o poder teve que ser tomado à força. Surgiram reis, eles governavam cobravam impostos e protegiam o povo, alguns eram justos, outros não, e o mais justo de todos tinha já uma certa idade e outros cobiçavam seu reino. A profecia viria a se cumprir pois o prometido estava próximo de chegar. Fomos à aldeia e comemos, em seguida fui descansar um pouco e aguardar o momento em que me chamaria novamente. Procurei digerir tudo o que havia me dito e o que tinha lido.

“Não muito tempo depois me levaram à sua presença, começou a falar da profecia sem muita cerimônia, ela dizia que no tempo certo viria um “guerreiro” de longe e que mudaria o destino do reino e de todos os outros ao redor, ele teria que ser forjado em seu próprio interior pois o mundo como era conhecido dependia dele e de sua transformação. O velho disse que eu era um dos escolhidos. Eu não sabia de nada, naquele momento apenas queria voltar para minha terra e libertar meu povo do jugo dos magos que nos governavam aproveitando o conhecimento que receberam de Theluris, conhecimento esse que deveria ter sido passado para o povo e não usado contra ele como foi.

“Ele pareceu ler meus pensamentos pois começou a falar em liberdade e honra, e também que eu não poderia ficar muito tempo mais ali na cidade porque as Guerreiras começavam a ficar inquietas, os homens haviam partido todos para uma guerra e não voltaram mais, isso já fazia muito tempo e elas aprenderam as artes da luta, da caça e da preservação com os Centauros que s respeitavam e protegiam como a filhas. Reprodução? Quando elas chegavam na idade de se reproduzir, ou seja quando já estavam formadas fisicamente iam em jornadas às aldeias vizinhas e escolhiam seus parceiros com quem eram inseminadas e retornavam, assim era perpetuada a raça. Se nascessem homens ficavam com elas até uma certa idade e depois eram levados para alguma cidade e abandonados para crescerem sozinhos, se fossem mulheres permaneciam na aldeia. Eu achei isso hediondo pois abandonar meninos para o desconhecido não era normal, não se sabia no que eles poderiam se transformar, mas entre elas era comum, e eu não podia fazer nada, seu costume era antigo, bom, se eu fosse o tal escolhido mudaria isso. Voltando, eu estava incomodando, os Centauros estavam nervosos, as Guerreiras não saiam de perto de mim, me rodeavam e cercavam, foi então que senti realmente, não poderia permanecer muito tempo mais por ali.

“Conversei mais com Hottonia e perguntei a ele:

- Você é um dos enviados Theluris? Um dos que deveriam ajudar os povos?”

- Sim Já faz muito tempo que estou aqui e consegui fazer algumas coisas, como diz a lei do Castelo de Cristal não podemos permanecer muito em um só lugar e sim surgir onde somos necessários desaparecendo logo em seguida pois cada povo deve aprender com a experiência, a nós caberia apenas direcionar e não interferir, mas eu me afeiçoei tanto a esta aldeia que não consegui mais ir embora e aqui estou até agora. Perdi parte de meu poder por este motivo, não consigo encontrar mais a entrada do portal, parece estar fechada para mim e agora você surgiu para salvar a todos nós, vou partir com você e te acompanhar enquanto for possível, depois veremos.

Hottonia Pallustris - Water Violet - violeta d’água