terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

04 - COMEÇO DA JORNADA


“Amanheceu e disse aos conselheiros que iria dar uma volta, rever alguns amigos e buscar meu alaúde. Não houveram impedimentos, mas fui seguido por alguns soldados do rei, ele não queria que me acontecesse nada enquanto estivesse sob seus cuidados. Cheguei à taverna e Calluna me recebeu com uma caneca de vinho para um brinde, estava curioso, queria saber o que acontecera, eu estava bem vestido, com uma bela espada, parecia até um nobre. Comecei a falar tudo até o momento em que descobri a Guerreira, ainda não sabia seu nome. Meu alaúde estava guardado e me foi entregue, pediram uma canção mas não tive tempo para isso pois alguém gritou da porta:
Agora voltou com uma espada não é? Pois bem, vamos lutar. - disse levando a mão à sua, e antes que pudesse sacá-la ficou paralisado, os soldados do rei eram competentes e o haviam visto entrar, suas espadas estavam encostadas nas costas do guerreiro, um movimento e estaria morto, ele largou a mão da espada e eu disse aos soldados:
- Deixem-no, não me fará mal, somos velhos amigos e nos divertimos assim, mas fiquem de prontidão.
“Convidei-o para uma caneca e sentamos, me perguntou se era um nobre e porque aquele dia me comportava como um plebeu e me vestia como tal. Contei-lhe parte de minha história, o que me lembrava, ficou interessado e disse querer me acompanhar nesta jornada, comecei a pensar se não seria uma boa idéia levar este guerreiro comigo, nem sabia para onde ia e não queria ir sozinho. Estávamos tão distraídos que não a vimos entrando, pegou uma caneca e se aproximou de nossa mesa no canto.
- Posso me sentar? - Perguntou, era uma Guerreira sem dúvida alguma, sua espada era maior que a minha, Vitis ficou fascinado por ela e puxou um banco, eu não dizia nada apenas esperava que ela começasse a falar, claro, me seguia a tempos, entrou em meu quarto furtivamente no meio da noite e agora era o momento de abrir a boca.
- Creio que lhe devo algumas explicações, para começar chamo-me Genciana Amarella, sei de sua curiosidade em saber o porque de vivermos escondidas dentro daquela montanha, de não existirem homens adultos na cidadela, de eu tê-lo seguido em silencio apenas me mostrando agora. Você está querendo desistir de sua jornada eu sei. Te segui por apenas algumas partes do caminho pois também quase me perdi neste mundo, este vinho parece nossa bebida, só que é mais forte e depois, nunca havia me aventurado muito longe do nosso vale. Conhecia um pouco a história dos pergaminhos, seu povo partiu pelos mesmos motivos que o meu: “as coisas do mundo”. Havia uma guerra começando e os homens partiram para combater ao lado do rei mas ele acabou e eles pareciam ser mais suscetíveis ao mundo exterior que as mulheres e não retornaram, escolhemos aquela montanha de onde poderíamos sair quando quiséssemos, mas muito poucos poderiam entrar. Seu povo, pelo que sei, era escravo de seus magos que de seu medo e partiram a muito tempo atrás, vocês não viram o mundo se desenvolver nem as guerras que aconteceram depois.
“A medida em que ela ia falando eu ia lembrando realmente quem eu era e como havia me entregado aos prazeres do mundo esquecendo do meu caminho, até aquele momento este negócio de escolhido, prometido, torneio, prêmio estavam sendo uma brincadeira para mim, não estava percebendo a seriedade da coisa toda. Vitis não dizia nada, apenas bebericava de sua caneca que já estava vazia nesta altura. O que estava ouvindo ali eram coisas que quando era criança ouvira nas fogueiras de sua terra mas nunca acreditara. Tornara-se um guerreiro e alugava sua espada a quem pagasse mais, não importava o motivo ou se quem a alugava estava certo ou não. Mas agora existia um motivo para lutar, a honra, a justiça e a lealdade.
“A proximidade de Genciana me fortalecia, me fazia acreditar que existia algo mais forte, lembrei do “Pai”, da oração que fiz na entrada da caverna e principalmente a fé que havia perdido, eu estive insano por muito tempo e agora também compreendia porque ficava incomodado na presença de Eupatoria, eu me via como realmente era: “Um homem fraco, desonesto, impotente e que precisava daquelas plantas de poder para me sentir mais forte”. Eu precisava pensar e não conseguia, resolvi que mais tarde visitaria Eupatoria para conversarmos um pouco e então Genciana recomeçou a falar:
- Quando tiver digerido tudo o que falei até agora te direi mais, agora vou partir por um tempo, voltarei quando for necessário.
“Convidei-a para ir até o castelo e a Vitis também, ela não aceitou pois não queria se acomodar e se perder outra vez, sei lá, ela parecia ser muito mais do que uma Guerreira Zeedris. Vitis aceitou e partimos. Minha visita a Eupatoria teria que ficar para amanhã, já estava escurecendo e eu não queria encontrar Agrimonia. O rei gostou de Vitis e o recebeu bem, foi acomodado no quarto ao lado do meu.
“De manhã fui para a floresta, meu novo companheiro e amigo me acompanhou, quando cheguei ao jardim ela me perguntou:
- Quer dizer então que você finalmente lembrou de sua missão e encontrou também o seu segundo ensinamento? É, Genciana é a sua Segunda lição para encontrar o tesouro que te espera, mas a jornada será longa e seu novo amigo irá ajudá-lo muito pois tem o poder que você ainda não descobriu em si mesmo.
- Espere um pouco, que história é essa de Segunda lição? Não sei do que está falando, qual é a Primeira?
- Meu filho, procure ser honesto consigo mesmo, ainda não percebeu? Abandone o controle que nunca teve, sempre se considerou forte, poderoso, dizia não precisar de ninguém, não conseguia olhar para dentro de si mesmo e ver que não é assim, que precisa das pessoas e é impotente perante muitas coisas, principalmente a si mesmo, tudo isso o levou a se entregar a prazeres que te desviaram de seus objetivos. Sua jornada será longa, vai encontrar muitos guias que te pedirão coisas que talvez te surpreendam, mas que deve cumprir.
“Agora deve entrar na floresta e conhecer alguém que te indicará a Terceira lição antes que parta, seu nome é Prunus, vá, ele o aguarda. Vitis, você fica comigo, ele deve ir sozinho.
“Comecei a caminhar dentro da mata meio que assustado pois não sabia o que iria encontrar, como seria esse tal de Prunus? e qual seria essa Terceira lição? Nem sabia direito a Primeira ou qual era a Segunda. Caminhei bastante mata adentro até que me pareceu ouvir um ruído à minha esquerda, vi apenas uma névoa azulada que se movia sem sair do lugar e ouvi uma voz falando comigo, não sabia de onde vinha, parecia vir da névoa mas não havia ninguém lá. Bom, neste lugar aconteciam coisas estranhas, depois do aparecimento do rei, tudo piorou, mais coisas e seres começaram a surgir, não ficaria surpreso se fosse a névoa que estivesse me chamando agora, e era...
- Eu sou Prunus sou a entrega a uma força maior, sou o equilíbrio e a confiança, sou aquele que não tenta manter o controle porque não o detém, este controle é de um Poder Superior, você Não chegou até aqui não por nada. Existe uma força muito grande te direcionando, essa força vai te acompanhar em todo o seu caminho. Mas existe uma coisa, a principal de todas... “Renuncia”, a renuncia de si mesmo, de que não é o poderoso, o dono da verdade, admitir que tem um grande problema, e não será fácil pois sua missão envolverá muitas coisas e pessoas. Em sua Primeira lição, com seu encontro com Eupatoria foi a admissão de sua impotência e fraquezas, isto te ajudará a ter um pouco mais de humildade, agora que suas máscaras caíram e pode se enxergar como é realmente vai perceber que precisa de ajuda para se preparar para o que está por vir futuramente, sei que está no caminho da busca do tesouro que o rei pediu, este tesouro é necessário para manter o reino em paz e em ordem, você é o escolhido, mas nem tudo acontece como desejamos. Seu encontro com Genciana foi excelente pois com ela vai lembrar de manter sua fé, que precisa acreditar nos outros, pois o nosso poder superior se manifesta através deles.
- Você terá um encontro em breve com o mensageiro de sua Quarta lição, talvez demore um pouco, talvez não, ele vai te levar ao Portal do Passado onde irá reviver muitas coisas esquecidas e abandonadas, vai depender de sua compreensão do que aprendeu até agora. Mas esse encontro será difícil porque você terá que superar muitas coisas e depois dividir isso. Mostrar que aprendeu e aceitou, pois não será fácil passar desta próxima lição.
- Suas lições já aprendidas mas não assimiladas por enquanto são:
Admitir suas fraquezas, que estava seguindo o caminho errado acreditando que era o certo, perdeu o controle de seus pensamentos, emoções, ações e comportamento procurando rotas de fuga em todas as direções sem acreditar que alguém ou algo poderia te guiar ao lado certo, acreditava apenas em si mesmo; Eupatoria é teu guia para a honestidade e a rendição;
- A Segunda lição é começar a acreditar que existe algo ou alguém que te pode ajudar ou orientar para o caminho certo, é o caminho da compreensão e do entendimento, aquele do qual você se desviou ao ter contato com os prazeres do mundo; Genciana te ajudará a acreditar, ter fé e entendimento;
- Veja bem, a Terceira lição é uma das mais difíceis, isso porque depois de renunciar ao controle e às suas vontades maiores ou menores em nome de uma vontade melhor terá que acreditar em alguém, logo depois tomar uma decisão e se entregar confiando que esse alguém pode te orientar e confortar, assim vai entregar sua própria vida e desejos a este guia. Está disposto a seguir em frente? Porque depois que se inicia neste caminho nunca mais terá paz se voltar a ser o que era, sua própria consciência irá te cobrar pois conheceu o outro lado e sentiu o seu gosto.
“Encerrou ai o seu curto discurso e desapareceu dissolvendo-se no ar. Não lhe respondi, foram tantas coisas que conversamos, tantas informações que senti um certo medo de perguntar algo. Agradeci e me afastei saindo da mata.

“Vitis me aguardava transtornado, parece que sua conversa com Eupatoria não foi melhor que a que tive agora na mata. Ele estava sozinho a minha espera mas nem me viu chegar. O chamei e voltamos à taverna, ambos precisávamos de uma caneca bem grande de vinho. Calluna nos serviu sem perguntar nada, sentia que algo estava diferente nos dois, ficou quieto e conversando com alguém num canto sem parar de nos observar, como se aguardasse ser chamado à mesa, também tinha o que contar, coisas estranhas estavam acontecendo no reino e tudo indicava que tinha a ver com o torneio do rei, comigo e minha viagem. Nosso vinho acabou e não percebemos, apenas nos olhávamos, sentíamos que nada mais seria como antes e isso nos assustava.
“Calluna não agüentou e se aproximou com mais quatro canecas de vinho, eu não sabia porque, mas não sentia vontade de beber, e ao mesmo tempo estranhei, quatro canecas se éramos três. Foi então que o chamou, ele se aproximou e sentou-se pedindo licença. Chamava-se Clematis Vitalba e vinha de muito longe para a disputa do rei, não para competir ou vencê-la, e sim orientar o escolhido, ele vivia em outro mundo, bem no alto das nuvens, e tinha o poder de descer à terra, seu povo tinha uma capacidade de visualizar o que quisesse e realizar depois. Ele fora enviado por seu rei para guiar o escolhido ajudando-o a manter-se ancorado no mundo e parar de tentar fugir dele. Olhei para o estranho e não senti vontade de dizer nada, apenas de ir embora, já havia ouvido muitas histórias por um dia e não queria ouvir mais. Se fosse tão importante ele estaria lá amanhã.
“Eu olhava para Vitis e Calluna sem dizer nada, estava anoitecendo e teria que conversar com o rei, amanhã seria o grande dia e teríamos que partir sem saber quando ou se retornaríamos, com ou sem o tesouro que salvaria o reino.
“Enquanto caminhávamos, Calluna que nos acompanhava começou a dizer como Clematis havia surgido na taverna, era incrível, Calluna não conseguia ficar sem falar sobre as coisas que lhe aconteciam ou seus problemas pessoais. Nós havíamos ficado na mata por vários dias que pareceram uma eternidade para quem nos aguardava. Disse que logo depois que partimos, um barco voador veio dos céus e ele surgiu, não aterrissou, ficou pairando no ar, ele simplesmente desceu levemente, parecia que usava o ar como colchão, dizia poder trazer os sonhos que todos tinham e ajudar a realizá-los na terra, assim que despertassem e ancorassem, estava em busca de um homem que teria vindo de longe, em busca do conhecimento da verdade, teria se perdido no caminho seduzido como muitos pelo mundo.
“Reencontrado, tinha que ser redirecionado, mas tinha que encontrá-lo. Ele era de um povo sonhador que tinha perdido a sua capacidade de sonhar e realizar, Clematis foi incumbido por seu rei de encontrá-lo e guiá-lo. Parou na frente de minha taverna e quando chegou ao chão eu estava em sua frente. Olhou para mim e disse:
- Você gosta muito de falar e sei que tem o que me dizer, então comece, onde está o escolhido? Tenho muito o que conversar com ele.
- Respondi que não sabia, que tinha ido para a floresta conversar com algumas pessoas pois a viagem começa amanhã. Ele disse que o chamasse assim que você surgisse porque o que tem que lhe falar era muito importante. E foi assim, não o vi mais até aquele momento em que vocês chegaram à taverna, parecia que ele sabia porque quando vocês entraram ele estava sentado à espera. Nem tive tempo de pensar em chamá-lo, já estava lá.
- Bom, quando ele achar necessário aparecer novamente o fará, agora vamos descansar, estes dias foram muito longos.
“Amanheceu e chegou o momento da partida, no pátio do palácio se amontoavam homens e mulheres de todos os tipos e regiões, agressivos, dóceis, feios, bonitos, estranhos, de perto, de longe...Todos em busca do prêmio do rei, sabiam que a linda princesa se casaria com o vencedor e ele herdaria o reino, mas não sabiam qual seria o tesouro a ser procurado.
“O rei começou a falar:
- Vocês em sua maioria vieram de longe para uma disputa de coragem, perseverança e fé, fé essa que irá salvar este reino. O prêmio será o próprio reino, mas, eu não posso dizer qual tesouro terão que identificar e encontrar. Grande parte de vocês pensará no final que fracassou, talvez a maioria, mas alguns trarão uma parte dele, outros talvez mudem sua maneira de ver o mundo e as pessoas. Vão, partam em busca de seu destino e retornem. Espero que o prometido traga o que é esperado, qual de vocês será eu repito, não sei, talvez me surpreenda ou não. Que o torneio tenha início e tenham a minha benção. E que o Universo os acompanhe e guie.
“E eles partiram, o monarca entrou em seus aposentos e se dirigiu a nós que o aguardávamos, não podia se dirigir a nós na frente dos outros competidores ou pensariam que nós sabiamos qual era o tesouro, isso acarretaria em mais disputas entre todos
Você Centaurium, junto com Vitis, leve minha benção, tenho certeza de que conseguirão, seus conselheiros são muito melhores que os meus, ouçam tudo o que eles lhes disserem, em seu caminho surgirão outros, fiquem atentos, e principalmente confiem um no outro pois não tem mais ninguém em quem confiar, por enquanto...
“A princesa Impatiens se aproximou de mim e contribuiu com a minha ansiedade, eu estava confuso com tanta coisa acontecendo e minha vontade era de correr, me disse para ter calma e me tornar receptivo para o que aconteceria ao meu redor.

“Partimos, para dizer a verdade sem saber em que direção seguir, me lembro das palavras de Prunus, sobre o tal Portal do Passado de que me forçaria a voltar ao que já vivi, às coisas boas e as más(que eram muitas), não sei, isso me assustava um bocado pois não sabia como reagiria a isso. Comecei a racionalizar se valeria a pena prosseguir, o medo cuidava de mim, caminhamos muito até o principio do anoitecer e acampamos. Uma grande parte dos que saíram do palácio estavam lá também. Parecia que não queriam ficar sós, se avaliavam, preparavam-se para seguir cada um seu próprio caminho pois não nos foi dada uma direção, mas nesta noite partilharíamos o mesmo acampamento, o amanhã? Não sei, comecei a viver só por hoje. Um dia de cada vez. Gostaria que Hottonia estivesse aqui. Mas era difícil pois ele sumiu a tanto tempo que comecei a pensar que tinha voltado para seu Castelo de Cristal, mas não, eu estava enganado, as folhas começaram a se mover na mata e ele surgiu de repente, parecia mais jovem e menos curvado que a última vez em que o vi.
- Centaurium, como você mudou, está diferente, parece maior, estes anos que passaram te moldaram um pouco, mas ainda falta muito. Está no caminho, vai perceber que muitas coisas que pareciam necessárias a você não tem mais importância, se perdeu por um tempo, mas foi necessário, o “Pai” não escolhe os preparados e sim prepara os escolhidos. Anos se passaram, você se esqueceu até porque saiu de sua terra, foi iludido com o que o mundo oferece. Vitis irá te ensinar o que é domínio e te dará forças para seguir em frente, você lhe ensinará a usar esse poder que ele tem pois você é um curador, vai depender de você. Agora quero comer e dormir. Amanhã conversamos mais um pouco.
“Deixei-o à vontade e fui conversar com Vitis, eu não entendia, esse povo mágico surgia de repente e desaparecia do mesmo jeito depois de deixar um monte de dúvidas e incógnitas, falava um monte de coisas estranhas e depois, antes que se entendesse alguma delas diziam que queriam comer e dormir. Vitis me confessou não gostar muito de magos, que eles eram estranhos demais.
- Olhe ao redor, em nosso acampamento que por enquanto está movimentado demais nenhum dos outros o viu. Eu creio em você porque vi o que aconteceu na floresta e confio mas, também não vi nenhum velho, apenas você o viu. Se você diz que ele está aqui, creio em ti, mas agora está tarde, vamos dormir e descansar, amanhã a maioria dos que estão aqui partirão, devemos nos separar deles pois muitos querem lutar e disputar, não perceberam que o que estamos buscando é maior que o desejo ou a ganância deles, aí conversaremos melhor sobre isso, mas antes cante algo para nós, alegre esta noite incerta com suas canções, eu ainda não o ouvi tocar e cantar.
“Peguei meu alaúde e comecei:

“Quando chegou minha hora parti sem rumo
encontrando magos no caminho que murmuravam:
“Você se perdeu de novo, quer achar o caminho certo?”
fugindo deles encontrei várias fadas que cantavam:
“Ele está cego vamos dar-lhe a luz mágica para
que possa seguir em frente”
Então passei por um caminho
onde verdejam eucaliptos e pinheiros com o vento
sussurrando entre suas folhas:
“Você está surdo, não consegue ouvir o murmúrio do vento entre nós?
com o tempo vamos conseguir te dar algo
algo para mudar e nos ouvir cantar,
então cantaram a história de alguém que se perdeu
num mundo de prazeres ocultos,
num mundo de mágica e prazer,
e disseram também; não podemos lhe dar nada a não ser
que peça e aceite o que vai receber.”

“Vitis me olhou meio que surpreso, a canção era real mas triste também. Não me disse nada, virou para o lado e começou a reclamar:
Estamos no meio de uma floresta como esta, não sabemos para onde vamos, quem destes guerreiros, se é que se pode chamá-los assim, vai nos seguir e tentar nos matar por um tesouro que nem temos idéia de que forma pode ter, e você me vem com uma canção como esta, falando sobre perder o que não se tem e sem saber o que é? Cante algo mais alegre, anime os nossos corações e espíritos.
“Recomecei então:

“Podem acreditar, seus olhos brilham ao luar,
lindos humanos venham ver, este tempo passar,
vamos se alegrar, saltar na vida até se encantar,
fazer canções para quem passar afinal,
liberdade não é só um sonho velho e esquecido.
Houve um tempo eu lembro
quando foram passear naqueles lados,
vocês diziam que este mundo nunca poderia acabar
Hoje descobri que posso ter sido meio maluquinho,
mas é meu jeito, mas é meu jeito falar assim;
Tentem acreditar, o mundo pode ser aquilo que quiserem”


- Agora sim, ao menos fala de coisas que podemos realizar desde que acreditemos que seja possível. Sabe Centaurium, aqueles papos com as pessoas que conversamos até agora me confundiram. Eupatoria, Clematis, até Calluna, o que diz que viveu, Hottonia, Prunus, sua terra distante e isolada. Tudo isso mexeu comigo e muito, vim para cá para disputar um torneio, era um mercenário. Agora tudo em que acreditava foi por água abaixo, encontrei um amigo, você, apesar de meio confuso e complicado é verdadeiro, e não quero perder isso, vou estar sempre ao seu lado, enquanto aceitar minha companhia. Sempre quis impor minha vontade através da força, controlava tudo e todos, mas alguma coisa está acontecendo e me sinto diferente em relação a isso, sinto uma força interior que nunca senti antes, não física, mas espiritual. Claro, não mudei completamente, sinto que existe muito chão a percorrer ainda, mas estou no caminho certo, isto é claro para mim, fico um pouco ansioso em encontrar os próximos guias. Sou curioso por natureza e fico imaginando o que o futuro nos reserva, estamos no início de nossa jornada e creio que devemos começar a nos precaver em relação a algumas coisas, não sabemos o que vamos encontrar na nossa frente, nem do que estes estranhos à nossa volta são capazes, a cada dia novas surpresas nos surpreenderão. E não será diferente agora, pelo contrário, creio que a cada dia novas situações vão surgir. Precisamos nos fortalecer e precaver, vamos fazer um pacto?
“Observei melhor Vitis, ele estava falando sério mesmo, nunca o vi assim, nos conhecíamos a tão pouco tempo e parecia uma vida, perguntei qual seria o pacto e ele respondeu:
- Não vamos mais tomar vinho ou consumir plantas de poder, precisamos agora mais do que nunca manter a mente desperta e alerta, como disse antes, não sabemos o que vamos encontrar pela frente e devemos estar sempre prontos. O que acha?
“É, realmente ele estava diferente, mais quieto, observador e agora isso, era apaixonado por vinho. Mas ele estava certo, seria difícil, porém necessário. Estava mais consciente que eu e aceitei o pacto, um ajudaria o outro.
“Quase não consegui dormir, o dia amanheceu e a maior parte dos que estavam no acampamento já havia partido, cada grupo em uma direção, norte, sul, leste, oeste, como ninguém sabia qual era o tesouro nem onde se encontrava não existia uma direção certa a seguir, alguns foram sozinhos, outros em grupo. Nós resolvemos esperar que todos tivessem partido para decidir que rumo tomar, mais um dia não faria diferença, algum sinal surgiria. Hottonia havia desaparecido, odiava quando fazia isso.
“Alguns dias se passaram Minha cabeça divagava em sonhos e ilusões que já havia tido, não conseguia me decidir a partir. Todos haviam ido, menos nós, Vitis parecia se contagiar com minha acomodação e eu parecia estar no mundo da Lua, como se tivesse criado um mundo melhor para viver onde não existissem disputas, brigas, tesouros e não quisesse mais descer de lá, do meu mundo perfeito. Cada um de nós reagiu de uma forma diferente, Vitis começou a caçar, como o fazia bem, mas caçava mais do que podíamos comer, parecia que queria mostrar seu poder para a mata. Eu sabia como isso podia ser perigoso, certos seres da floresta não se incomodavam quando se caçava o suficiente para se alimentar pois também faziam isso, mas não gostavam de abusos com os animais, e nós estávamos abusando, nos acomodamos e não saímos do lugar, depredando o que estava ao nosso redor. Eu não me sentia bem como estava, precisava refletir um pouco. Encontrei uma trilha e fui caminhar um pouco por ela sozinho, Vitis disse que depois iria me encontrar, era só seguir os rastros, ele era um bom rastreador e caçador.
“A trilha tinha um brilho diferente que me atraia, em alguns pontos era muito estreita e as plantas arranhavam meus braços e pernas de uma maneira que pareciam querer me castigar pela invasão de seus domínios. Terminava em uma clareira espaçosa na qual entrei, sentia um peso estranho, negativo nas costas, mas a curiosidade e o chamado eram mais fortes, não sentia mais medo e sim ansiedade. Comecei a prestar atenção, no lugar onde estava existiam algumas árvores, cinco ao todo pareciam formar um pentagrama, era o que parecia para mim até que peguei um pedaço de pau e comecei a traçar uma linha ligando uma árvore a outra e então tive a certeza, realmente era um pentagrama. Algumas das árvores estavam tombadas pela idade, observando melhor notei que existiam cortes com velas de cores variadas derretidas, e no centro da clareira uma rocha comprida e lisa, aquele lugar estava preparado como um centro de rituais de sacrifícios.
“Tudo isso estava meio que oculto pela vegetação e pelo musgo. Senti uma vontade grande de ir-me embora dali, o peso nos ombros aumentando, assim procurei a trilha pela qual tinha vindo, surpresa, não estava mais ali, o medo voltou. Ouvi um barulho a minha direita e uma voz desconhecida falava comigo:
- Está cansado? Sei como se sente, fraco, sem forças para continuar, mas não desista, deve estar seguro de suas forças e capacidades e seguir em frente, lá em cima encontrará pessoas que te ajudarão com a resignação que está sentindo.
- Mas quem é você? Como se chama? - perguntei eu.
- Meu nome é Carpinus Betulus, apenas quero te ajudar, dê uma oportunidade a você mesmo seguindo em frente. Adeus. - e simplesmente desapareceu. Em seguida ouvi outra voz, esta era familiar era Vitis resmungando dos arranhões pelo corpo.
“Conversamos um pouco e reparamos que a trilha que ele havia seguido também sumira, era como se houvesse se fechado de espinhos como a minha. Ele sacou da espada para abrir caminho e neste momento uma luz do lado oposto brilhou nos chamando a atenção, ela mostrava uma outra trilha levando ao alto da montanha. Nos olhamos e concordamos.
- Vamos subir - disse Vitis - Esta floresta me assusta, este lugar mais ainda, me dá calafrios, existem forças aqui que não compreendemos nem sabemos de que lado estão.
“Subindo por ela percebemos que existiam os mesmos espinhos, mas nos feriam com menos intensidade e outra coisa, parecia que nós dois saíamos da apatia e prosseguíamos com mais ânimo até chegar ao topo. Lá estando eu não conseguia falar e nem Vitis tamanha a beleza e imensidão do vale que se descortinava a nossa frente, nos sentamos e apenas observamos deslumbrados.
*inserir descrição a seguir na página ao lado
“No céu eu via uma ave com asas prateadas que voava pelo vale. Era um gavião como nunca vi, suas asas brilhavam ao sol causando reflexos fantásticos. Mostrei a Vitis mas ele não a via, olhava para o outro lado onde dizia ver um outro gavião, mas eu também não o via. Era como se cada um tivesse o seu, de repente começaram a voar lado a lado em nossa direção a extrema velocidade passando sobre nós e entrando na mata, pensei que iam se espatifar nas árvores. Desapareceram em seguida e notamos duas, ou uma, não sei direito, mulheres caminhando na estrada (a trilha que subimos dava na estrada em que estávamos e fazia uma curva até aquele local). Elas pararam em nossa frente e se apresentaram:
- Nós somos Rosa Canina, somos irmãs e nunca nos separamos, eu Rosa, tenho o aroma e o brilho e Canina o despertar do espinho, juntas nos protegemos e cuidamos dos que querem desistir, se acomodar, se sentem resignados com uma situação e não tentam mudá-la achando que a responsabilidade é de outro, assim como vocês estão agora. Como estão os arranhões em seus corpos, serviram para despertá-los?
“Mulheres estranhas aquelas, seus cabelos eram como pequenas folhas verdes e pequeninas ao mesmo tempo em que eram duas também eram uma só, uma roseira humana é isso. Seu perfume era delicioso. Estava curioso sobre os espinhos despertarem, o que estavam querendo dizer? Elas voltaram a falar:
- Nós os aguardávamos a muito tempo, não sabíamos quais seriam no meio de tanta gente, então, quando se acomodaram e quiseram desistir, esquecendo realmente qual era o seu objetivo e missão, se encostando aqui tivemos que agir, pois pudemos identificá-los. Fizemos nossas folhas e flores brilharem em uma trilha para trazê-los até nós. Sabemos que “passaram” por algumas lições mas não as aceitaram completamente, vão ficar aqui esperando alguma coisa acontecer? Acreditarem no poder superior a todos nós e tomarem uma decisão de se entregar não é o bastante, “Ele” fará a sua parte, mas vocês tem que fazer a sua. Deixar a responsabilidade na mão do seu Poder Superior não os livrará, repetimos, o caminho a ser percorrido será longo, em alguns momentos terão que voltar atrás e refazer alguns erros para depois seguir adiante, em outro se separarão e a menos que resolvam entregar suas vidas e suas vontades realmente não conseguirão.
“O mundo depende de vocês, a transformação das crenças das pessoas, o reinado, tudo. Demoram eras para surgir um prometido e você Centaurium é o esperado desta, lembre-se de sua canção: “Olhe para trás e veja as dificuldades em seu caminho, para poder saudar o sol, então sorria ele gostou de te ver por aqui, e vai te iluminar o caminho para chegar ao seu destino.” Vamos, agora levantem a cabeça e partam pois a estrada os aguarda e não estão sozinhos, existem outros seres que os aguarda. Ah, mais uma coisa, você Centaurium, componha agora uma nova canção, que fale sobre o amor à vida que redescobriram com esta lição, fale da perseverança e fale das rosas que surgiram em seu jardim perdido em meio à mata.
“E assim se foram as duas(ou uma). Novamente nos olhamos, não nos deram a oportunidade de falar ou perguntar nada. Esta viagem daria muitas canções novas, a cada momento surgia uma nova surpresa, uma nova situação. Peguei meu alaúde que sempre levava nas costas e procurei os primeiros acordes, foi incrível, como sempre as palavras fluíam de meu interior, percebi que a mata sorria para mim e um caminho cheio de luz se abria para nós até o acampamento.

“Eu te amo, você é a rosa do meu castelo,
tenho medo quando chega o inverno
e a beleza que você traz começa a desaparecer
como os pássaros que voam a procura da paz
e da liberdade encontradas nas primaveras,
onde tudo é beleza como o amanhecer
que me mostra que cada dia deve ser vencido
quero viver, quero viver, quero viver, quero viver;
para ver as coisas acontecerem
as tristezas vão passar as alegrias vão chegar,
quero viver para te enfrentar sem pacto nenhum,
eu contra você, você contra eu
vou lutar até a velhice chegar, como um velhinho que na rua
um dia na rua vi passar com um sorriso nos lábios
e que dizia que a gente deve procurar não se perder na noite dos tempos

“Vitis gostou desta canção pois era desafiadora, levantamos acampamento e partimos. Prunus disse que um mensageiro ajudaria a me libertar dos grilhões do meu passado, deveria ser honestos pois caso contrário estaria enganando apenas a mim mesmo, corajoso porque rever certas situações do passado poderia trazer muita dor, foram erros e acertos também mas muitos não gostam de falar de erros ou falhas, avaliar abertamente as atitudes para com o “Pai”, com a família, amigos ou quaisquer outros relacionamentos. Conversamos sobre tudo isso boa parte do caminho, quando chegamos a uma clareira e montamos acampamento, enquanto Vitis caçava tentei preparar uma boa fogueira, não era muito bom nisso, tive a sensação estranha de estar sendo observado mas me mantive calmo, sabia que não existia perigo ali, que a floresta era nossa amiga e os seres que ali viviam nos orientavam.
“Comecei a pensar no tesouro, o que seria? Jóias, pedras preciosas, ouro, novas terras, tecidos, escravos, o que seria? O que teria o poder de manter um povo livre? O rei disse para não me preocupar pois saberia na hora certa. Vitis chegou interrompendo meus pensamentos, trazia dois coelhos e uma ave, seria um belo jantar, quando olhou minha tentativa de fogueira riu até chorar. Perguntou se me sentia observado e respondi que sim.
“Limpamos a caça e a colocamos no espeto. De repente ela surgiu bela como sempre, do nada, era realmente uma caçadora, sabia andar pela mata em silêncio e encontrar o que queria. Trazia nas mãos um pequeno javali e uma garrafa.
- Posso me juntar a vocês? Perguntou Genciana. - Aqui está minha contribuição, um pequeno javali gordo e um bom vinho para nos aquecer durante a noite.
“Eu e Vitis nos olhamos, lembrei de nosso pacto, mas, que mal um gole de vinho poderia nos causar? Já fazia tempo que não nos embriagávamos, sorrimos e a convidamos para sentar. Tínhamos centenas de perguntas para fazer e não sabíamos por onde começar. Queríamos principalmente saber sobre o que estava por vir. Em nossa ansiedade nos esquecemos de que talvez ela estivesse com fome, cansada e sem muita disposição para falar muito. Em parte estávamos certos, realmente estava cansada, limpamos a caça que trouxe e começamos a cantar e beber enquanto assava. Genciana parecia diferente, estava muito alegre, animada, eu a havia visto pouco e mesmo assim muito séria, nunca a vi como hoje. A lua foi subindo, o sono chegando e nós nós nos aninhando. Cada um escolheu um espaço ao redor do fogo onde se sentisse melhor e assim dormimos.
“Acordei com a visão dela na beira do fogo já reaceso, preparando um café e esquentando um pouco da carne que sobrou da noite passada, teríamos uma longa caminhada pela frente, os outros haviam se adiantado e nós estacionamos. Vitis já estava de pé, tinha ido até a cachoeira tomar um banho para despertar. O sentimento de culpa por ter quebrado o pacto me incomodava e sei que a Vitis também.
“Durante o café comecei com meu interrogatório particular e curioso. Ela me ouvia com atenção. Quando terminei minhas perguntas o silêncio pairava no ar, eu e Vitis esperando que ela se manifestasse e então começou a falar:
- Centaurium, todas as suas perguntas serão respondidas no devido tempo , o que posso lhe dizer agora são poucas coisas; veja bem, o tesouro será encontrado no momento certo, não adianta ficar se martirizando tentando adivinhar o que é ou onde está, do mesmo modo que renovo sua fé, sendo sua Segunda lição também te dou o entendimento das situações pelas quais está passando e vai passar ainda. Lonicera os aguarda ao anoitecer, o receberá bem mas Vitis terá que se separar de você pois tem outro caminho que o aguarda, não se preocupe, voltará a encontrá-lo mais adiante, e ambos estarão mais fortes, os dois. Lá você conhecerá Salix que te ajudará a entender o ensinamentos de Lonicera sem se justificar acusando os outros por infortúnios que você passou, a responsabilidade é sua de tudo por que viveu até hoje; depois que preparar o relatório de seu passado junto com ele será encaminhado para Ceratostigma.
- Ele é muito difícil de ser encontrado pois está sempre em movimento cuidando da mata. Vai te ajudar a entrar em contato com sua sabedoria interior, a ouvir a voz que vem de dentro, a acreditar em sua intuição sem ficar perguntando o que os outros pensam, coisa que sempre te colocou em confusão no passado, com ele vai dividir tudo o que relacionar para Lonicera, mas prepare-se pois será cobrado, não julgado, por muito do que fez ou deixou de fazer, mas terá um tempo para assimilar tudo isso e muito mais, alguém que não posso revelar o nome agora irá se apresentar a você e ajudá-lo a se voltar para dentro com uma auto-avaliação, mas falta tempo ainda. Só vou adiantar outra coisa: São doze as lições pelas quais tem que passar, assim será lapidado e descobrirá se é ou não digno do tesouro que busca, mas creio que terá uma surpresa quando chegar a hora. Está se encaminhando para a Quarta, Quinta, Sexta e Sétima lições agora. Chega de falar, vamos comer e começar a caminhar.

Genciana Amarella - Gentian - genciana
Prunus Cerasifera - Cherry Plum - cerejeira
Clematis Vitalba - Clematis - clematide
Carpinus Betulus - Hornbean - bétula, carpa, carpino
Rosa Canina - Wild Rose - roseira, rosa dos cães, roseira brava